terça-feira, 7 de julho de 2015

mundo paralelo

Acordei. Já cansada da semana inteira. O cansaço nem me permitiu ficar ansiosa.
É fim de período. E nesses tempos, parece que a gente desafia as leis do sono, do corpo e da mente. Não importa o quanto você diga que no próximo não será assim. Na verdade, não será mesmo, será pior. A gente não aprende.

Levantei carregando toda a semana atrás de mim, pensando na da frente mas focando no presente. Era meu primeiro plantão. 24h. Me restava certa ansiedade, medo, alegria e expectativa.
A gente vive de pequenos passos e quando vê, andou vários km já. O objetivo é a chegada, mas a caminhada é que faz valer a pena. Não importa só chegar, importa como chegar. E era um dia importante, um passo importante. De caloura a meia médica e agora, com plantão de 24h com fins acadêmicos.

Cheguei antes do médico plantonista do dia. O anterior, da sexta, me recebeu. Disse para deixar minhas coisas no armario, mostrou a geladeira, o microondas e o quarto para dormir. 2 beliches, 4 camas.

O plantonista chegou, os outros acadêmicos também. Seríamos 5, sendo que desses, 2 eram novos rostos pra mim. Por um tempo, o cirurgião explicou toda a dinâmica do serviço, o que deveríamos fazer e como. Evoluir pacientes, atender emergencias, preencher burocracias, mandar exames. Era muita coisa. E me chamou atenção serem tão bem explicadas e a responsabilidade que teríamos. Já ficaria por la um dia inteiro na semana, queria realmente ser útil e aprender o possível.

Depois da teoria, fomos acompanhar os banhos. Queimadura elétrica. Sorte que a gente usa aquelas mascaras cirúrgicas e ninguém vê nossa cara direito, porque a minha não deve ter sido agradável. Contrai o dedinhos dos pés e minha cabeça disparou em reflexões sobre a vida, a medicina, as responsabilidades, o sofrimento, o acaso, o destino. Enfim. Alguém ali sofria muito de dores que a gente não sentia. A ferida não doia em mim. Mas os gritos sim. E, me veio uma sensação de medo de não conseguir, algum dia, ser capaz de ajudar ao máximo os pacientes e, ao mesmo tempo, uma sensação de que é ali que eu deveria estar. Não era sofrido estar ali. Era valioso.

A gente tem dessas coisas de se adaptar. Acho que é fisiológico. Depois de um tempo, parei de contrair os dedinhos dos pés e a pensar nas técnicas, no que fazer, como estavam fazendo. Depois foi uma criança, depois uma outra queimadura elétrica. "Coloca o capote, vai ajudar". E quando eu vi, já estava, literalmente, no meio da ação, de perto. Com medo de atrapalhar mas satisfeita em ajudar.

Vai, volta. Arruma, Vê, conversa, examina. Mexe no prontuário. Passa o caso. Evolui.
Trim trim.
Emergência!
Vamos descer.

Era simples, nada grave. Mas o suficiente para que aprendessemos como fazer um curativo.
Na segunda emergencia, nós o fizemos.
Na terceira, internação.

E o dia foi cheio. O médico, incrivelmente, passou o dia conosco ensinando, explicando fisiopatologia, medicina, teoria. Pacientemente.
Na hora da pizza, outra emergência. E, nós, que estávamos rindo do nosso cansaço, mudamos de clima ao ver a paciente. Com medo, com cheiro, com dor. Fogueira. Internação direto. Engraçado como as coisas mudam de uma hora pra outra né? A gente ansiando pela pizza e, por uma ligação, mudamos o roteiro e fomos acomapnhar o caso grave, ajudar, se preocupar e tranquilizar no final.
É muito em pouco tempo. É muito tempo em pouca horas.

Depois de comermos a pizza fria, conversamos, rimos e dormimos.
Dormimos como quem não sabe se vai acordar logo ou se a noite passará por inteira.
Como quem acha que já está próximo dos que te acompanharam por 24h intensamente.
Como quem conclui que viveu uma vida em um dia.

Ao acordar, fui embora cansada. Mas feliz. Parece que vale a pena deixar de ver o mundo correr lá fora por uma manhã, uma tarde, uma noite e uma madrugada e ver as coisas acontecerem dentro de um hospital, cruzando vidas, histórias e reflexões.
É como se um dia perdido, tivesse sido muitos
em um só.
Ou como se, nesse mundo paralelo, a vida corresse do mesmo jeito, só que mais intensa.