domingo, 17 de novembro de 2019

Somos instante.

Fomos dormir sorrindo. Estávamos juntos e, depois que a gente cresce, percebe que estar junto é o grande presente da vida. É difícil estar presente. E mais difícil ainda juntar as presenças. Mas até que conseguimos em bom número. O suficiente pra estar em casa. Pra rir um do outro, comer até cansar e comer mais, pra recontar as mesmas histórias, pra ouvir as mesmas piadas das mesmas pessoas e as novas fofocas da novela e da vida real.
Fomos dormir prontos pro dia seguinte. Já tínhamos dividido as tarefas pra festa. Alguns pra pegar as cadeiras, outros pra decoração e outros pro cardápio. Fomos dormir.

Na montanha, o Sol se abre mais cedo. Esquenta antes. E talvez, ja anunciasse um dia mais longo.
"A tia morreu". Ouvi de longe e num cochicho. Abro um olho só e vejo que era minha outra tia vindo noticiar o que a gente esperava inesperadamente.
Eu fechei o olho como quem quer acreditar por alguns segundos que se a gente fecha os olhos, o real se esvai.
Mas a movimentacao continuou. Meu primo acordou. Minha prima desaguou.
Eu parei de mentir pra mim mesma e numa palavra(o) em pensamento, abri os olhos pro dia que se seguiria.
Por alguns minutos eu pensei "mas a gente se reuniu pra uma festa. Nao acredito. A gente vai pra um enterro" . Mas foi egoísmo. Por que se a morte é a primeira certeza, a segunda é que a vida é imprevisível. E a terceira, mas nesse caso é mais uma crença pessoal, é que tudo tem o tempo certo pra acontecer.
E eu lembrei que estava com quem deveria estar. Minha família. No lugar que deveria estar, na metade do caminho. E no dia que deveria estar, todos vivendo aquele momento unidos.
E então, agradeci. Por que coisas assim, só podem ser divinas.
O dia foi longo.
As viagens longas.
Os abraços longos e apertados.
Mas foi bonito de ver.
Lembra que eu disse que o maior presente é a presença? Pois entao, imagina se fazer presente num momento de tristeza, que dificil! Pois bem, foi nesse momento que eu vi o amor em sua forma crua e em diferentes gestos.
No choro, no aperto de mao, no abraço apertado, na palavra amiga, na oração, no olhar perdido, no andar sem rumo.
Foram os familiares. Os amigos. Os familiares dos amigos. Os amigos dos familiares. Os familiares dos familiares. Todas as combinações possíveis.
Eu vi minha família sofrendo. Mas a vi cheia de amor. Porque nos amamos entre nós. Mas por quem estava lá nos demonstrando amor.

E, olhando ali o fim da vida, só me resta dizer que o que fica é isso mesmo: o amor.
Ninguem lembra do que você comprou, do trabalho que cumpriu, dos boletos que adquiriu, do que leu ou viu. O que fica é amor. Traduzido em memória, em afeto, em ensinamento, em momento.
A morte é a única certeza da vida e vivemos como se a vida fosse eterna.
Não sei se é defesa porque pensar nisso todo dia é assustador. Nao sei se é a repetição diária que nos dá a má impressao do oposto. Nao sei se nosso cérebro foi sintonizado em outra regra. Eu nao sei porque a gente vive fingindo nao saber qual é a nossa maior certeza.

Só sei que momentos assim, que ela vem tão pertinho, ela assusta. A morte mesmo. Ela nunca passa ilesa. Traz consigo a sensação e a reflexão necessária ao tempo que nos resta. Mesmo sem saber o quanto é exatamente.

Um belo (ou não tão belo assim) saímos de casa pela ultima vez. Nos vemos pela ultima vez. Abraçamos pela ultima vez. Esquecemos a chave pela ultima vez. Brigamos pela ultima vez. Sorrimos pela ultima vez. Ouvimos musica pela ultima vez. Fizemos a ultima viagem. Comemos nosso doce preferido pela ultima vez. Pagamos o boleto pela ultima vez. Dançamos pela ultima vez. Encontramos nosso amigo pela ultima vez. Beijamos nosso amor pela ultima vez. Ou ainda, deixamos passar o amor pela última vez.
Perdoamos pela ultima vez. Compramos aquela roupa bonita pela ultima vez.
Respiramos. Abrimos o olho. Pensamos. Pela ultima vez. E sabe qual a grande diferença das primeiras vezes? É que nunca saberemos qual vai ser a última.
E a certeza da vida é justamente essa: a de que haverá a última vez. A gente só nao sabe qual das vezes será.

A gente não parou pra pensar mas mesmo sem morrer, já se passaram algumas ultimas vezes. Daquela pessoa que mora longe. Daquele amigo de infância. Daquele prato naquela cidadezinha pequena que voce nao vai voltar. Daquela árvore que vc subiu no parque nas férias. Daquele sapato que nao cabe mais no seu pé adulto. Daquele abraço de quem simplesmente passou pela sua vida. Daquela carta de amor que já nao faz mais sentido. Daquele brinquedo que era o seu preferido. Daquele pijama de bichinho que já ficou pequeno.

Mas a gente não sabia. Nao sabe que era a última. E talvez, se esse é o grande mistério da vida, nós precisamos, todos os dias, relembrar que pode sim ser o último.

Se o que nos resta, é a memória de quem fica, é no outro continuamos vivos. É no fazer bem. No querer bem. No tantão(ou tantinho) que amamos e deixamos amar.
Engraçado que ir pra terra(em letra minúscula mesmo) é tao chocante quanto óbvio e, nada, nada, nada, parece resistir a isso. Egoísmo, competição, ganância, dinheiro, inveja, soa supérfluo perto da brevidade da vida.

Um belo(ou não tão belo) dia, a gente expira. E acaba.
Ninguém sabe que sopro é esse que faz nosso corpo funcionar. E que faz ele parar.
Mas, chamamos esse período do meio de vida. Contada em forma de tempo. Ninguém sabe porque, quando ou aonde. Mas só que estamos. Somos instante com a falsa ideia de sermos pra sempre. Mas somos apenas presente. E temos sim.
Que o fato de ter fim, nos sirva de lição pra sempre sermos recomeço. Inteiros. E verdadeiramente, amor.

Vá em paz, tia Cema. E que "Deus te abençoe e te dê em dobro ".

"Por que tu es pó, e ao pó voltará ".


quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Nao leia. Não é fofo. Bjs.

No início, você acha fácil. Pega aqui sua personalidade, seus valores, seus sonhos e objetivos e vai. Nada vai te parar. Você, coitada, acha que vai.
Mas te dizer, que não é bem assim.
O mundo, ja dizia e sempre disse meu pai, é injusto, filha. E eu insisto em procurar justiça. Mas é em vão. As pessoas, seja no fundo ou no raso, vivem dentro do seu proprio egoísmo e do seu proprio interesse e por ali ficam. Qualquer coisa ou qualquer um que ouse abalar esse estado de prioridade do eu, será atingido. Seja por palavras sutis com intenções disfarçadas, seja com atitudes sinceras de agressividade, seja com frases de efeito que,por algum momento, você até pode se deixar levar. Mas só por um momento.
Nesses discursos inúmeros que veem o raso, esconde se o maior dos problemas: a hipocrisia.
A corda, pro lado mais fraco, sempre. O outro, na bolha intocável de muito ar e pouca agua. E lá se vai mais uma vez nossa fé na humanidade. Cada um por si e ninguém por ninguém. Que imbecis somos todos: qualquer lógica física, matemática, antropológica, religiosa, astronômica, astrológica (qual quer uma) mostra o quanto o conjunto é melhor que a parte. O todo funciona sempre, melhor que seu componente. Mas a gente insiste se botar antes. E "que se dane os outros".

Eu, sinceramente, tenho muita dificuldade de discutir o raso, se o problema é mais profundo. E desisto. Algumas pessoas tem o dom de, na superficie, lidar com o que parece óbvio pra mergulhar depois no que realmente atinge. Mas eu não. Se todo mundo fala do tapete e nao da poeira que ta embaixo, eu nao consigo falar de mais nada.
Pra mim, não há a copa da árvore se nao houver raiz.

Que descrenca nas pessoas. No que elas parecem e no que elas são. No interesse disfarcado de bondade. Na ironia disfarçada de gentileza. No egoísmo disfarcado de competencia.
Que vergonha em quem olha pros outros sem olhar pra si mesmo. Em quem se ocupa dos problemas alheios sem perceber que, na verdade, sao seus.
Que raiva por quem sofre o que nao tem culpa. Ou foi julgado com a ação que nunca foi sua.

Eu olho pra cima e, sinceramente, entendo os políticos que temos. A gente merece ca da um deles. Com todas as suas podridoes, corrupcoes e desvios de caráter (desvio nao ne, pq vamo combinar que ninguem desvia, cada um escolhe muito bem o caminho que quer pegar).
Como povo, somos o mesmo que eles. Somos o povo do jeitinho, de se dar bem, de sair melhor, de passar na frente. Somos a galera do "vai que da", do "so mais esse ne", do "ninguem ta vendo", do "o mundo é dos espertos".
Somos o país do Carnaval. Quem me dera fossemos só alegria desenfreada e fantasia purpurinada. Somos carnaval o ano inteiro pela balbúrdia de fingirmos o que não somos: corretos.

sábado, 21 de setembro de 2019

O brilho das rugas

Semana passada minha prima resgatou umas fotos antigas. Dentre elas, tinha uma da minha vó.
Só  dela, focada no rosto, com o olho brilhante conquistando quam olhava a foto e um sorriso frouxo. O sorriso que ela gargalhava quando ia dar alguma bronca pós implicância de algum neto.
Nao sei quem tirou a foto, mas arrisco em dizer que ela tava sorrindo dizendo que não era pra tirar foto.

Eu com frequência lembro dos meus avós. Mas essa lembrança mais recente me fez, não sem saudade, refletir sobre quem são essas pessoas em nossas vidas.

Meus pais sao os caçulas de uma família grande. O que significa dizer que, quando eu nasci, meus avós já nao tinha mais a energia que algum dia tiveram.
Eles não passeavam muito, andavam com dificuldade, não era a coisa mais divertida do mundo estar com eles. "Da um beijo na sua vó " " nos vamos na casa da batian e do ditian, se arrume" e assim, ainda que eu nao entendesse muito o porquê atrasar a ida a pizarua pra ficar no sofa vendo Silvio Santos, eu ia.

A primeira vez que eu perdi alguém que me mostrou o que é sentir a morte, foi minha vó. Eu lembro até hoje do quanto mil coisas se passaram na minha cabeça quando meu pai chegou em casa mais cedo, se aproximou de mim, agachou e soltou " a vó  descansou". Eu arrumei as malas com a visao turva e pensei o quanto cada ligação, ainda que as conversas fossem " ta tudo bem? Melhoras...", foram importantes.
Eu nunca ouvi tantas historias dela, depois que ela partiu. Talvez a saudade faça isso, traz a tona as vivencias de cada um com a pessoa e eu, com meus 16 anos, ouvi atentamente a cada uma delas. E parece que passei a conhecer e a admira la ainda mais.
Agradeci a minha mãe por mandar eu dizer bom dia toda vez que levantava na casa dela. "Mas mae ela ta vendo tv"  "mas vai la dar um bj nela".
Minhas lembrancas eram mais sutis, mas agradeci por te las.

E a ficha caiu. Ainda me restava o tempo com meus outros avós. Se tem algo que alguem ja viveu mais de 80 anos gosta de fazer, é contar. E percebi que a gente podia nao sair pra dançar , ir no cinema ou ter um dia muito louco pulando de paraquedas. Mas talvez n9 mesmo sofá que passava Silvio Santos, eu pudesse ter um momento igualmente inesquecível. Ouvir suas historias. Meus avós vieram do Japão pos segunda guerra. Num navio por 3 meses e com 2 bebês no colo. E naqueles dias que pareciam comuns, eu desvendei a minha propria historia. Vi fotos. E olhava aquelas rugas todas, aquele jeitinho devagar de andar e aqueles olhinhos pequeninos e puxados falando um portugues bem japones e sabia que era aquele momento que eu guardaria pra mim.

Eles também se foram. E também doeu.
Mas me fez pensar muito sobre o papel da gente nessa vida.
Avó e avô são pessoas que simplesmente, estão ali.
E por muitas vezes, dão trabalho. O fim da vida é parecido com seu início .Exige cuidado, atencao, carinho, paciência, tempo. E pode parecer que nao ha nada em troca. Eles simplesmente estão ali.
Por vezes, e nao sem razao, a gente até pensa "sera que ja nao chegou a hora?". Mas a hora nao e a gente que sabe. E ainda bem.
Mas aí a hora realmente chega e voce percebe que, "estar ali" era o grande presente. Sao as pessoas que começaram sua família.  Sao as que estavam nesse mundo muito antes de você pensar em existir. São eles os motivos de unir a familia, nem que seja só no fim do ano. Parecem cristais prestes a quebrar, mas a verdade é que a pele enrugada e a lentidão sao as marcas de quem já cansou de ser forte.

As vezes, eu só queria ligar e trocar aquela meia duzia de palavras cotidianas. Ou segurar no braco deles e ajudar a descer o degrau. As vezes, só queria abrir o embrulho todo brilhante e agradecer aquela toalha de banho colorida. Ou reclamar que o beijo da vó molhou toda minha bochecha.
Talvez a grande ironia da vida seja justamente  ter mais tempo com eles quando se é crianca e ser criança e não valorizar o tempo com eles.
E quando a gente cresce, eles já foram. E nos resta a saudade e a lição de que o amor está, literalmente, nos "pequenos" momentos.

sábado, 14 de setembro de 2019

De(s)cida

O amor não é um sentimento.
Ta chocado, ne? É . Eu sei. Mas amor é verbo de ação e não substantivo comum. Aprendemos errado.
Sentimento é paixão. Alegria. Tristeza. Raiva. Ansiedade. Medo. Isso tudo é  sentimento.
Amor não.
Amor é uma decisão.
É o que vem depois do sentimento.
Apaixonar se, por exemplo, é passo primeiro do amor romântico. É quando surge a pergunta da decisão de amar. Não é amor. Nem precisa virar. Mas pode. As vezes, deve. Mas não é curso natural. É escolha.

Amar é decdir ficar. Decidir estar. Decidir fazer.
Por isso que essa história de único amor da vida ou metade da laranja ou pé descalço pra chinelo velho é tudo história mal contada de quem confundiu sentir com decidir.
Explico me.
Se só existisse uma pessoa pra cada outra pessoa no mundo, que desesperador seria se elas nao se encontrassem por acerto do acaso ou erro do destino? E como explicar as paixões que deixaram de ser? Os terminos sofridos e os novos amores?
Ingenuidade achar que se tratam de erros ou encaixes imperfeitos de novas pessoas ou oportunidade perdida. Ou simplesmente botar na conta do amor que ele acaba, sem ora nem beira, sem sinal de fumaça. Imagina todo uma vida com o final "é que o amor acabou". Não. O que acabou foi a admiração, a paixão, a vontade de ficar.

Por isso que eu digo. Amor é decisão.
É, todos os dias, reafirmar a si mesmo, a decisão de compartilhar. De ser inteiro na metade dos dois. De repensar a si mesmo. De se doar. De transformar e se deixar transformar. Se retroalimenta na sua reciprocidade. Cresce e transcende quem o carrega. E o contrário, é verdadeiro.
Paixão interrompe, avança, cresce, encanta, mas essa sim pode acabar. Mas deixa no ar a pergunta a ser respondida com o amor. E dentro dessa nuvem, resta a serenidade de querer o outro todos os dias.

Nessa perspectiva, o amor contemporaneo nao se vestiu de liquidez e resolveu acabar mais rápido. Na verdade, por acreditar que foi amor, as pessoas acham que acabou. Mas num mundo com tanta facilidade e pouca responsabilidade,o ato de decidir fica sempre pra depois. Amar vem depois. Ou nunca vem. "Chama o próximo" , ja que o sentir desse ja acabou. Amar da trabalho pordimaais. Te deixa vulneravel, exige tempo, auto e re-conhecimento, dói, cansa, desconforta.
E nesse descompromisso com a decisao, a gente deixa o tempo passar. O crescer passar. A felicidade passar. O cuidado passar. O melhor passar. Nós, passar. O amor, coitado do amor, passou.



segunda-feira, 9 de setembro de 2019

A tecnica de ser

Era um dia como outro qualquer. Mas as 7h da manhã o Sol ja brilhava anunciando um dia mais quente que os anteriores.
Segunda feira. Acorda, levanta, respira e vai. Aquele recomeço de sempre e aquela preguiça de sempre também.
Mentira. Não era um dia como outro qualquer. Era o dia. Aquele que marcamos no calendário. Que ficamos sem dormir. Que as borboletas invadem o estômago e trocam a fome pela ansiedade.
Entraram no carro e se olharam. Tomara que dê certo dessa vez. Mais uma vez. Até quando a gente insiste? Até quando persiste? Quem limita o caminho de um sonho?
Para os outros, poderia ser um casal entrando no shopping. Para eles, era o abstrato de quatro paredes que agora seria o concreto visto pela imagem no ultrassom.
"Eles chegaram". "Bebeu agua?" "To bebendo".
Aguarda encher a bexiga que tomba o útero e abre o caminho. Bebe mais água.
Aguarda....aguarda....ta bom? Não...aguarda....aguarda.
Opa! Vamos? Ta cheia. Casa no lugar. Caminho retificado.

Na sala, a voz serena da médica propicia a calma necessária pra quem traz ansiedade, medo e expectativa. Respira fundo. Olha lá.
Eles se olham. As mãos se entrelaçam.
Os olhos brilham. É a esperança ali dando oi. Mentira. Oi é sutil demais. A esperança ali ta berrando. E ela vem com a cumplicidade. As duas se abraçam. E estão no beijo carinhoso. No olhar atento. No piscar prolongado. E eu, testemunha e algo sonhadora, ou talvez sonhadora e algo testemunha, sinto mais do que a técnica do aprendizado, sinto o amor entre eles que vem sob a forma de parceria. Do olhar pro mesmo querer.

"Ta vendo aquela gotinha? Ta lá, agora é so aguardar".
A vida é tao louca que a gente acha q descobriu seu segredo e trabalha com a receita.

A vida é tão louca que ela cabe num cateter pequenininho. Escorrega pra dentro da sua primeira casa. E fica.

A vida é tão louca que, a intimidade do casal, não é o corpo, ali, naquele momento, é a alma.

A vida é tão louca que a gente nem sabe se ela vai querer ser vida, mas naquele instante, já fizemos o traço todo dela com autoria da esperança.

A vida é tão louca que, mesmo a ciência gabaritada, ela só se permite se tiver que ser.

A vida é tão louca que agora, resta aguardar 14 dias pra ver se ela quis ficar e aparecer com o apelido de "beta positivo".

A vida é tão louca que, mesmo que não fique, vida ela ja é.

E loucos, somos nós.


(Relato de um dia de transferência de embrião após fertilização in vitro).

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Uma barra, por favor.

Se vc perguntar para uma criança, se ela qr paz interior ou um chocolate, decerto(é assim que escreve? Achei chic e apropriada essa palavra hahahahaha), ela escolheria o chocolate.
Se for um adulto, a primeira opção. E considere- se um ser espiritualmente elevado se vc não entendeu o porquê.
Só depois que a gente cresce, entende essas escolhas meio torta dos adultos.
(Tbm qm ve um chapeu no lugar de uma jiboia engolindo um elefante nao é la muito confiável mesmo, ja previu o Pequeno Principe).

O tempo traz consigo desafios, relacionamentos, cobranças, decepções, surpresas, conquistas, alegrias, tristezas, traumas. Nem sempre amadurecimento. Mas ok. E a gente vai se moldando no meio disso tudo. Fica cada vez mais difícil e por vezes, inevitável, que por dentro, sejamos um turbilhão de sentimentos, preocupações, cicatrizes. E tudo o que a gente almeja é paz. Não a ausência de guerra(que tbm desejamos, claro. Mas que nao vai existir enquanto nao houver essa outra). A paz por dentro.

A criança não sabe o que é paz interior simplesmente porque ela tem. A gente so sabe o que é quando ela nao existe.
Crianças só vivem. E vivem apenas o presente. O que importa é o aqui e o agora. A brincadeira de agora. O dever de agora. O que a gente vai fazer agora. Ela nao ta planejando muito o sabado que vem. A semana que vem. Ou quem encontrou hoje. Ela ta cem por cento no momento presente.

Os adultos não. Nunca estao aqui. Eles estao na reunião de amanha, no arrependimento da briga de ontem, na aula a ser apresentada semana que vem, na mensagem que o crush vai mandar a tarde. E o mais engracado que quando os momentos chegam, eles nao estao mais. Estao nos outros momentos la da frente ou presos la atrás. O tempo todo a gente migra entre o passado e o futuro. Entre arrependimento ou angustia e ansiedade ou expectativa.
E o mundo corre cada vez mais trazendo a falsa sensacao do presente, mas reafirmando essa alternancia entre 2 tempos. Que nao existem simplesmente.
Olha ao redor.
Vc sonhou com aquela viagem. Chegou nela e ta mais preocupado com as curtidas das fotos. Ou abriu o instagram e viu que fulano de tal ja fez essa e outras 345 viagens com fotos melhores. Vc nao ta na viagem.
Vc saiu do outro lado da cidade pra encontrar seu melhor amigo. Estão ambos olhando pro whatssapp falando com pessoas que não estão presentes. Nao estao mais ali.
Vc ta aqui, mas ta olhando a agenda de amanha. Nao ta aqui portanto.
Vc acorda pensando se o que fez ontem foi certo. Vc ficou preso lá.
Vc ta fazendo exercicio, mas ta pensando se não devia ter começado antes.

Vc é a versao do seu futuro em algum dia do passado. Algum momento sua vida, sonhou em estar aonde está exatamente. Mas quando esse momento chega, pobres de nós que continuamos a olhar pro futuro. E nunca reconhecemos que talvez, nosso presente seja nosso melhor presente (perdao pelo não trocadilho).

E a vida corre. Escorre. E quando vc vê, ja foi o encontro. Ja realizou seu sonho. Ja conheceu tanta gente legal. Ja aprendeu.
E simplesmente não percebeu. Porque focou em tudo o que não era seu.

Eu tenho medo real de deixar passar, sabe?
Por vezes eu parei, olhei ao redor e pensei "esse momento aqui eu esperei por tanto tempo e ta acontecendo. GENTE TA ACONTECENDO" Eu quis parar o tempo. Eu quis gritar pra todo mundo que seila, eu sabia que tava criando memórias ali. E eu sempre tenho a sensacao que todo o resto não se tocou disso. Pq é incrível, qd vc ta vivendo, para quem ta ao redor, é mais um dia. E se vc nao parar pra pensar, vai ser pra vc tb. Isso quando a gente sabe. Pq tem aqueles momentos vc nao tem ideia que se eternizarão.

Eu lembro muito bem de um dia que eu fui pegar o metrô no Canadá. Estava sozinha, indo pro centro e me veio uma felicidade de estar ali. Sozinha. Indo conhecer uma cidade nova. Superando meus medos. Falando com gente nova. Mostrando pra mim mesma que eu podia o que eu sonhasse. E me toquei que
estava no meu proprio sonho. Tava tudo bem. Tudo simplesmente bem. Eu queria chamar qlqr canadense aleatório/chines(o que e quase a mesma coisa hahahaha) e falar "vc sabia que esse momento aqui é tipo meu sonhoooo". Mas eu seria maluca e deportada. Porém, eu abri o celular na maior inocência e surgiu uma foto no instagram de uma menina que estava no seu 25o país. Com uma foto muito mais bonita. Uma roupa blogueirinha e dando dicas de sei la o que.
Eu subitamente me entristeci por estar feliz por tao "pouco". Olhei pra mim, com a mesma idade empolgada com algo que tanta gnt ja fez, no meu 1o país sozinha e 3o conhecido e meu casaco repetido. Olhei pra vida real . E a comparação veio com o sentimento de "será mesmo que eu sou maluca de estar tao realizada?".
Ai me toquei de novo. Se nao tivesse usado o celular, nao sairia do meu estado de realização. E cheguei a conclusao de que nunca, em nenhum momento, será melhor se vc se comparar. Sempre havera alguem mais viajado. Mais rico. Mais famoso. Mais realizado. Mais bem sucedido. Aparentemente.
E o que a gente pensa que é uma ferramenta ingenua de compartilhamento de fotos, vira instrumento de propagação de insegurança e baixa autoestima. E de impossibilidades. Considerando estima nao so o que e estetico, mas o que é pessoal e importante para cada um.
E a gente deixa, de novo, passar. Ja que nao é suficiente. Ja que vc nao percebeu que é sobre o seu presente. Deixa passar o momento. Passar a vida. E fica so com o passado e o futuro. Que no caso, nao existem.

Mas as crianças não. As criancas ensinam. Elas estão ali. Só ali. Se tao doentes, tao mal. Se melhoram, tão bem. Se choram, é doído. Se sorriem, é com vontade. Se for pra escolher, escolhem o chocolate. Pq viver no agora, é o momento que a gente sabe que pode fazer algo. O nosso melhor. E se a gente pode fazer algo, somem os sentimentos de ansiedade futura ou arrependimento passado. Como diria Renato Russo, nao sou mais tão crianca a ponto de saber tudo.
Desejo que possamos ser mais como elas. Agora. E o nosso agora merece ser mais doce.
Assim quem sabe, a gente consiga as 2 coisas. O chocolate e a paz de si mesmo.



domingo, 1 de setembro de 2019

Ilusão

Da onde vem o sentir?
Se vê e sente? Ou se sente e passar a ver?
Imagina e se apaixona ou se apaixona e passa a imaginar?
Se encontra e existe ou existe e passa a se encontrar?
Que a ordem dos produtos nao altere os fatores.
E o verso do vice.
E nessa sequência inconsequente a gente crê que, se faz sentir, existe em algum(qualquer) lugar.
Esperando a hora de ser real(idade). De ser, por fim, nós.


terça-feira, 27 de agosto de 2019

Você tem medo de que?


Sabe, ultimamente tenho pensado sobre o crescer. Sobre ser adulta. Quando eu era criança, via aquelas rodas de adulto e alguem sempre dizia "isso nao e assunto pra crianca" "estamos aqui falando coisas de adulto" "fique com as crianças ". E na minha pequenez de altura, imaginava sobre a grandeza de quem tinha mais idade.

Não sei se o mundo que mudou ou a gente que mudou no mundo.
Quando eu era pequena, os adultos pareciam importantes. Sérios. Maduros. As coisas pareciam simples. As regras eram claras. Brincou, guardou. Errou, pediu desculpa. Ganhou, agradeceu. O mundo podia ser qualquer coisa. Absolutamente qualquer coisa. O shampoo era microfone. O vhs era sofa da barbie. A rua era passarela. O quintal da minha vó era floricultura. E o dinheiro de mentirinha trazia uma dose de realidade capitalista a brincadeira. O mar era secundario, eu ia pra praia pensando nas muitas esculturas de areia. O carro era transporte pros desenhos das nuvens. A arvore era escalada do Everest.
Se eu não soubesse algo, meus pais sabiam. Se eu sentisse medo, eles desfaziam. Se eu gritasse, eles apareciam
Eu podia ser o que eu quisesse. Mas eu gostava mesmo de ser secretária. Achava o maximo atender telefone, mexer nos papeis, usar grampeador e falar "vou ver aqui na minha agenda". Eu tinha uma agenda. Achava chic. Ate perceber que nao adiantava marcar "escola " todos os dias. Nao entendia pq tinham agenda. Nao sabia que os adultos tinham tantos compromissos que tinham q anotar pra nao se perder. Descobri depois.
Eu gostava de colocar uma blusa de manga comprida na cabeca e fazia as mangas de cabelo. Eu sonhava em ter um cabelão e ficar jogando de um lado pro outro. Teve um dia que eu imitei meu pai e fui me barbear. A lamina travou na primeira passagem e eu descobri q alem de agua e sabão, aquilo so funcionava com pêlos. Mas era adulto. A gente imita(e chora depois obviamente).
Eu nao ligava muito pra minha roupa. Se eu quisesse usar o sapato novo, usava. As vezes gostava daquela calça beeem velhinha. Descobri que reparam até no fiozinho solto na parte das costas.
E qd eu vi q as meninas estavam largando as bonecas, comecei a usar meu primeiro sutiã. Era da pequena sereia. Achava adulto. Mas so tinha um sutiã. E nao era completamente desnecessário.
Eu nao ligava pro corpo. Nao sabia q tinha menina com perna mais grossa e mais fina. Que o peso tava acima de 1kg ou abaixo. Que o pé podia ser com os dedos muito separados ou nao. Eu não ligava até alguem reclamar do seu corpo. Passei a comparar o meu.
Eu nunca soube o quer ser quando crescer (pasme). E sei lá pq todo adulto tem essa mania besta de querer crescer a crianca. Deixa ela. Deixa ela querer ser o agora.
Ter brilho no olhar. Trazer cor no mundo.
Ser intensa. Mas aí, descobri que queria medicina. Na verdade, tava na hora de escolher. Eu nao descobri nada.
Crescer é passivo. Acontece quando vc menos espera. O que a gente não espera é tanta gente grande perdida. Descobri.
Adultos sao pessoas grandes, que encolheram suas almas de criança. A vida foi dolorosa por vezes e, cada um ao seu modo, foi colecionando cicatrizes. Foi se esculpindo pro bom. Ou pro ruim. E foi se afastando de quem era quando era pequeno.
" é assim mesmo". Eles disseram. "Para de ser bobo menino". Afirmaram. "O mundo não é cor de rosa". Desiludiram. Me vi no meio de tanta gente igual e ao mesmo tempo, diferente. Cada um usou seus momentos pra ser alguem melhor ou pior, mas nunca o mesmo. A vida é irrefreável.
As vezes acho que cresci. As vezes, acho que to crescendo. As vezes nao acho nada. Ora mulher. Ora menina.
Mas todo esse "processo" é, por vezes. Doloroso.
Nao falo de corpo. Mas de alma.
Meu pai sempre disse que o mundo é mau e injusto. Antes eu achava q era exagero. Mas cada dia que passa, eu reconheço sua sabedoria. "Filha, o mundo é ruim". O mundo é bem ruim. As pessoas não fazem as coisas como as crianças, pelo valor delas. As pessoas fazem as coisas pelo retorno. Tudo, absolutamente tudo, perde a graça e fica mecânico. O artista quer fama. Nao a arte. O cientista quer a publicação. Não a descoberta. O engenheiro quer um contrato. Não a construção O médico quer ir embora do plantão. Nao o cuidado com o pacientes. O funcionário publico quer aposentar. E assim por diante. Em algum momento, alguem até quis o sentido daquela profissão. Algum momento mais perto da sua criança.
Todo mundo quer chegar em casa. Todo mundo merece chegar em casa. A maioria na verdade acorda ja pensando em voltar pra casa. Que ciclo infinitamente chato.
Se tem uma injustiça, vc pode processar, mas sabe que vai ter que aguentar as consequências. Vc se cala.
Se tem um erro, vc pode consertar, mas sabe que o trabalho e todo seu. Vc se aquieta.
Se tem um elogio, pode ser politicagem. Vc desconfia.
Aaah, política. As relações todas entre as pessoas, como diz Paulo Coelho, sao com o "banco dos favores". Nada é gratuito. Tudo será cobrado. Pouco e verdadeiro.
E.a gente vai ficando pequeniniiiinho em valor.
É chic ter prestígio. É chic rir dos outros. É chic transar e sair de manha. É chic ter muitos contatinhos. É chic odiar. É chic ter muitos seguidores na rede social. É chic tirar foto falsa. É chic não dormir. É chic trabalhar 72h seguidas. É chic.
Brega é ser simples. É andar de pé no chão. É defender alguém que precisa. É brega ter responsabilidade emocional. É brega nao ter rede social ou tirar pouca foto pq valia mais a pena curtir o momento. É brega ter saude mental. O que vale é parecer ter. Mesmo que seja implodindo por dentro.
E assim, a gente vai sobre - vivendo nesse caos de gente cansada. Decepcionada. Apagada.
Eu testemunho, diariamente, pessoas cada vez mais doentes. Cada vez mais violentadas por outros e por si mesmas. E um mundo cada vez mais perfeito dentro da internet.
Eu nao sei se é o mundo que mudou tanto ou se eu que mudei no mundo.
Não sei se é o meu mundo. Só sei que, apesar de não ser um momento de crise, algo não vai bem.
É difícil sustentar no interno, o que não existe no externo. Mas me da medo. De nao ser e de nao viver com um olhar de menina.
Perde a cor. Perde a graça. E perde a pena. Explico. Um coração que equilibrava com uma pena(em algum seculo muito muito passado ou alguma mitologia), era um bom coração. Leve. Ai surgiu a expressão. E eu tenho esse medo. De não valer uma pena. Igual um coracao de crianca.
Talvez o grande desafio de amadurecer seja esse: valer uma pena ainda que insistam nas pedras.