domingo, 17 de novembro de 2019

Somos instante.

Fomos dormir sorrindo. Estávamos juntos e, depois que a gente cresce, percebe que estar junto é o grande presente da vida. É difícil estar presente. E mais difícil ainda juntar as presenças. Mas até que conseguimos em bom número. O suficiente pra estar em casa. Pra rir um do outro, comer até cansar e comer mais, pra recontar as mesmas histórias, pra ouvir as mesmas piadas das mesmas pessoas e as novas fofocas da novela e da vida real.
Fomos dormir prontos pro dia seguinte. Já tínhamos dividido as tarefas pra festa. Alguns pra pegar as cadeiras, outros pra decoração e outros pro cardápio. Fomos dormir.

Na montanha, o Sol se abre mais cedo. Esquenta antes. E talvez, ja anunciasse um dia mais longo.
"A tia morreu". Ouvi de longe e num cochicho. Abro um olho só e vejo que era minha outra tia vindo noticiar o que a gente esperava inesperadamente.
Eu fechei o olho como quem quer acreditar por alguns segundos que se a gente fecha os olhos, o real se esvai.
Mas a movimentacao continuou. Meu primo acordou. Minha prima desaguou.
Eu parei de mentir pra mim mesma e numa palavra(o) em pensamento, abri os olhos pro dia que se seguiria.
Por alguns minutos eu pensei "mas a gente se reuniu pra uma festa. Nao acredito. A gente vai pra um enterro" . Mas foi egoísmo. Por que se a morte é a primeira certeza, a segunda é que a vida é imprevisível. E a terceira, mas nesse caso é mais uma crença pessoal, é que tudo tem o tempo certo pra acontecer.
E eu lembrei que estava com quem deveria estar. Minha família. No lugar que deveria estar, na metade do caminho. E no dia que deveria estar, todos vivendo aquele momento unidos.
E então, agradeci. Por que coisas assim, só podem ser divinas.
O dia foi longo.
As viagens longas.
Os abraços longos e apertados.
Mas foi bonito de ver.
Lembra que eu disse que o maior presente é a presença? Pois entao, imagina se fazer presente num momento de tristeza, que dificil! Pois bem, foi nesse momento que eu vi o amor em sua forma crua e em diferentes gestos.
No choro, no aperto de mao, no abraço apertado, na palavra amiga, na oração, no olhar perdido, no andar sem rumo.
Foram os familiares. Os amigos. Os familiares dos amigos. Os amigos dos familiares. Os familiares dos familiares. Todas as combinações possíveis.
Eu vi minha família sofrendo. Mas a vi cheia de amor. Porque nos amamos entre nós. Mas por quem estava lá nos demonstrando amor.

E, olhando ali o fim da vida, só me resta dizer que o que fica é isso mesmo: o amor.
Ninguem lembra do que você comprou, do trabalho que cumpriu, dos boletos que adquiriu, do que leu ou viu. O que fica é amor. Traduzido em memória, em afeto, em ensinamento, em momento.
A morte é a única certeza da vida e vivemos como se a vida fosse eterna.
Não sei se é defesa porque pensar nisso todo dia é assustador. Nao sei se é a repetição diária que nos dá a má impressao do oposto. Nao sei se nosso cérebro foi sintonizado em outra regra. Eu nao sei porque a gente vive fingindo nao saber qual é a nossa maior certeza.

Só sei que momentos assim, que ela vem tão pertinho, ela assusta. A morte mesmo. Ela nunca passa ilesa. Traz consigo a sensação e a reflexão necessária ao tempo que nos resta. Mesmo sem saber o quanto é exatamente.

Um belo (ou não tão belo assim) saímos de casa pela ultima vez. Nos vemos pela ultima vez. Abraçamos pela ultima vez. Esquecemos a chave pela ultima vez. Brigamos pela ultima vez. Sorrimos pela ultima vez. Ouvimos musica pela ultima vez. Fizemos a ultima viagem. Comemos nosso doce preferido pela ultima vez. Pagamos o boleto pela ultima vez. Dançamos pela ultima vez. Encontramos nosso amigo pela ultima vez. Beijamos nosso amor pela ultima vez. Ou ainda, deixamos passar o amor pela última vez.
Perdoamos pela ultima vez. Compramos aquela roupa bonita pela ultima vez.
Respiramos. Abrimos o olho. Pensamos. Pela ultima vez. E sabe qual a grande diferença das primeiras vezes? É que nunca saberemos qual vai ser a última.
E a certeza da vida é justamente essa: a de que haverá a última vez. A gente só nao sabe qual das vezes será.

A gente não parou pra pensar mas mesmo sem morrer, já se passaram algumas ultimas vezes. Daquela pessoa que mora longe. Daquele amigo de infância. Daquele prato naquela cidadezinha pequena que voce nao vai voltar. Daquela árvore que vc subiu no parque nas férias. Daquele sapato que nao cabe mais no seu pé adulto. Daquele abraço de quem simplesmente passou pela sua vida. Daquela carta de amor que já nao faz mais sentido. Daquele brinquedo que era o seu preferido. Daquele pijama de bichinho que já ficou pequeno.

Mas a gente não sabia. Nao sabe que era a última. E talvez, se esse é o grande mistério da vida, nós precisamos, todos os dias, relembrar que pode sim ser o último.

Se o que nos resta, é a memória de quem fica, é no outro continuamos vivos. É no fazer bem. No querer bem. No tantão(ou tantinho) que amamos e deixamos amar.
Engraçado que ir pra terra(em letra minúscula mesmo) é tao chocante quanto óbvio e, nada, nada, nada, parece resistir a isso. Egoísmo, competição, ganância, dinheiro, inveja, soa supérfluo perto da brevidade da vida.

Um belo(ou não tão belo) dia, a gente expira. E acaba.
Ninguém sabe que sopro é esse que faz nosso corpo funcionar. E que faz ele parar.
Mas, chamamos esse período do meio de vida. Contada em forma de tempo. Ninguém sabe porque, quando ou aonde. Mas só que estamos. Somos instante com a falsa ideia de sermos pra sempre. Mas somos apenas presente. E temos sim.
Que o fato de ter fim, nos sirva de lição pra sempre sermos recomeço. Inteiros. E verdadeiramente, amor.

Vá em paz, tia Cema. E que "Deus te abençoe e te dê em dobro ".

"Por que tu es pó, e ao pó voltará ".


2 comentários:

  1. Lindo, sincero, amoroso. Assim como deve ser a vida e as despedidas.

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