terça-feira, 27 de agosto de 2019

Você tem medo de que?


Sabe, ultimamente tenho pensado sobre o crescer. Sobre ser adulta. Quando eu era criança, via aquelas rodas de adulto e alguem sempre dizia "isso nao e assunto pra crianca" "estamos aqui falando coisas de adulto" "fique com as crianças ". E na minha pequenez de altura, imaginava sobre a grandeza de quem tinha mais idade.

Não sei se o mundo que mudou ou a gente que mudou no mundo.
Quando eu era pequena, os adultos pareciam importantes. Sérios. Maduros. As coisas pareciam simples. As regras eram claras. Brincou, guardou. Errou, pediu desculpa. Ganhou, agradeceu. O mundo podia ser qualquer coisa. Absolutamente qualquer coisa. O shampoo era microfone. O vhs era sofa da barbie. A rua era passarela. O quintal da minha vó era floricultura. E o dinheiro de mentirinha trazia uma dose de realidade capitalista a brincadeira. O mar era secundario, eu ia pra praia pensando nas muitas esculturas de areia. O carro era transporte pros desenhos das nuvens. A arvore era escalada do Everest.
Se eu não soubesse algo, meus pais sabiam. Se eu sentisse medo, eles desfaziam. Se eu gritasse, eles apareciam
Eu podia ser o que eu quisesse. Mas eu gostava mesmo de ser secretária. Achava o maximo atender telefone, mexer nos papeis, usar grampeador e falar "vou ver aqui na minha agenda". Eu tinha uma agenda. Achava chic. Ate perceber que nao adiantava marcar "escola " todos os dias. Nao entendia pq tinham agenda. Nao sabia que os adultos tinham tantos compromissos que tinham q anotar pra nao se perder. Descobri depois.
Eu gostava de colocar uma blusa de manga comprida na cabeca e fazia as mangas de cabelo. Eu sonhava em ter um cabelão e ficar jogando de um lado pro outro. Teve um dia que eu imitei meu pai e fui me barbear. A lamina travou na primeira passagem e eu descobri q alem de agua e sabão, aquilo so funcionava com pêlos. Mas era adulto. A gente imita(e chora depois obviamente).
Eu nao ligava muito pra minha roupa. Se eu quisesse usar o sapato novo, usava. As vezes gostava daquela calça beeem velhinha. Descobri que reparam até no fiozinho solto na parte das costas.
E qd eu vi q as meninas estavam largando as bonecas, comecei a usar meu primeiro sutiã. Era da pequena sereia. Achava adulto. Mas so tinha um sutiã. E nao era completamente desnecessário.
Eu nao ligava pro corpo. Nao sabia q tinha menina com perna mais grossa e mais fina. Que o peso tava acima de 1kg ou abaixo. Que o pé podia ser com os dedos muito separados ou nao. Eu não ligava até alguem reclamar do seu corpo. Passei a comparar o meu.
Eu nunca soube o quer ser quando crescer (pasme). E sei lá pq todo adulto tem essa mania besta de querer crescer a crianca. Deixa ela. Deixa ela querer ser o agora.
Ter brilho no olhar. Trazer cor no mundo.
Ser intensa. Mas aí, descobri que queria medicina. Na verdade, tava na hora de escolher. Eu nao descobri nada.
Crescer é passivo. Acontece quando vc menos espera. O que a gente não espera é tanta gente grande perdida. Descobri.
Adultos sao pessoas grandes, que encolheram suas almas de criança. A vida foi dolorosa por vezes e, cada um ao seu modo, foi colecionando cicatrizes. Foi se esculpindo pro bom. Ou pro ruim. E foi se afastando de quem era quando era pequeno.
" é assim mesmo". Eles disseram. "Para de ser bobo menino". Afirmaram. "O mundo não é cor de rosa". Desiludiram. Me vi no meio de tanta gente igual e ao mesmo tempo, diferente. Cada um usou seus momentos pra ser alguem melhor ou pior, mas nunca o mesmo. A vida é irrefreável.
As vezes acho que cresci. As vezes, acho que to crescendo. As vezes nao acho nada. Ora mulher. Ora menina.
Mas todo esse "processo" é, por vezes. Doloroso.
Nao falo de corpo. Mas de alma.
Meu pai sempre disse que o mundo é mau e injusto. Antes eu achava q era exagero. Mas cada dia que passa, eu reconheço sua sabedoria. "Filha, o mundo é ruim". O mundo é bem ruim. As pessoas não fazem as coisas como as crianças, pelo valor delas. As pessoas fazem as coisas pelo retorno. Tudo, absolutamente tudo, perde a graça e fica mecânico. O artista quer fama. Nao a arte. O cientista quer a publicação. Não a descoberta. O engenheiro quer um contrato. Não a construção O médico quer ir embora do plantão. Nao o cuidado com o pacientes. O funcionário publico quer aposentar. E assim por diante. Em algum momento, alguem até quis o sentido daquela profissão. Algum momento mais perto da sua criança.
Todo mundo quer chegar em casa. Todo mundo merece chegar em casa. A maioria na verdade acorda ja pensando em voltar pra casa. Que ciclo infinitamente chato.
Se tem uma injustiça, vc pode processar, mas sabe que vai ter que aguentar as consequências. Vc se cala.
Se tem um erro, vc pode consertar, mas sabe que o trabalho e todo seu. Vc se aquieta.
Se tem um elogio, pode ser politicagem. Vc desconfia.
Aaah, política. As relações todas entre as pessoas, como diz Paulo Coelho, sao com o "banco dos favores". Nada é gratuito. Tudo será cobrado. Pouco e verdadeiro.
E.a gente vai ficando pequeniniiiinho em valor.
É chic ter prestígio. É chic rir dos outros. É chic transar e sair de manha. É chic ter muitos contatinhos. É chic odiar. É chic ter muitos seguidores na rede social. É chic tirar foto falsa. É chic não dormir. É chic trabalhar 72h seguidas. É chic.
Brega é ser simples. É andar de pé no chão. É defender alguém que precisa. É brega ter responsabilidade emocional. É brega nao ter rede social ou tirar pouca foto pq valia mais a pena curtir o momento. É brega ter saude mental. O que vale é parecer ter. Mesmo que seja implodindo por dentro.
E assim, a gente vai sobre - vivendo nesse caos de gente cansada. Decepcionada. Apagada.
Eu testemunho, diariamente, pessoas cada vez mais doentes. Cada vez mais violentadas por outros e por si mesmas. E um mundo cada vez mais perfeito dentro da internet.
Eu nao sei se é o mundo que mudou tanto ou se eu que mudei no mundo.
Não sei se é o meu mundo. Só sei que, apesar de não ser um momento de crise, algo não vai bem.
É difícil sustentar no interno, o que não existe no externo. Mas me da medo. De nao ser e de nao viver com um olhar de menina.
Perde a cor. Perde a graça. E perde a pena. Explico. Um coração que equilibrava com uma pena(em algum seculo muito muito passado ou alguma mitologia), era um bom coração. Leve. Ai surgiu a expressão. E eu tenho esse medo. De não valer uma pena. Igual um coracao de crianca.
Talvez o grande desafio de amadurecer seja esse: valer uma pena ainda que insistam nas pedras.


Um comentário: