sábado, 21 de setembro de 2019

O brilho das rugas

Semana passada minha prima resgatou umas fotos antigas. Dentre elas, tinha uma da minha vó.
Só  dela, focada no rosto, com o olho brilhante conquistando quam olhava a foto e um sorriso frouxo. O sorriso que ela gargalhava quando ia dar alguma bronca pós implicância de algum neto.
Nao sei quem tirou a foto, mas arrisco em dizer que ela tava sorrindo dizendo que não era pra tirar foto.

Eu com frequência lembro dos meus avós. Mas essa lembrança mais recente me fez, não sem saudade, refletir sobre quem são essas pessoas em nossas vidas.

Meus pais sao os caçulas de uma família grande. O que significa dizer que, quando eu nasci, meus avós já nao tinha mais a energia que algum dia tiveram.
Eles não passeavam muito, andavam com dificuldade, não era a coisa mais divertida do mundo estar com eles. "Da um beijo na sua vó " " nos vamos na casa da batian e do ditian, se arrume" e assim, ainda que eu nao entendesse muito o porquê atrasar a ida a pizarua pra ficar no sofa vendo Silvio Santos, eu ia.

A primeira vez que eu perdi alguém que me mostrou o que é sentir a morte, foi minha vó. Eu lembro até hoje do quanto mil coisas se passaram na minha cabeça quando meu pai chegou em casa mais cedo, se aproximou de mim, agachou e soltou " a vó  descansou". Eu arrumei as malas com a visao turva e pensei o quanto cada ligação, ainda que as conversas fossem " ta tudo bem? Melhoras...", foram importantes.
Eu nunca ouvi tantas historias dela, depois que ela partiu. Talvez a saudade faça isso, traz a tona as vivencias de cada um com a pessoa e eu, com meus 16 anos, ouvi atentamente a cada uma delas. E parece que passei a conhecer e a admira la ainda mais.
Agradeci a minha mãe por mandar eu dizer bom dia toda vez que levantava na casa dela. "Mas mae ela ta vendo tv"  "mas vai la dar um bj nela".
Minhas lembrancas eram mais sutis, mas agradeci por te las.

E a ficha caiu. Ainda me restava o tempo com meus outros avós. Se tem algo que alguem ja viveu mais de 80 anos gosta de fazer, é contar. E percebi que a gente podia nao sair pra dançar , ir no cinema ou ter um dia muito louco pulando de paraquedas. Mas talvez n9 mesmo sofá que passava Silvio Santos, eu pudesse ter um momento igualmente inesquecível. Ouvir suas historias. Meus avós vieram do Japão pos segunda guerra. Num navio por 3 meses e com 2 bebês no colo. E naqueles dias que pareciam comuns, eu desvendei a minha propria historia. Vi fotos. E olhava aquelas rugas todas, aquele jeitinho devagar de andar e aqueles olhinhos pequeninos e puxados falando um portugues bem japones e sabia que era aquele momento que eu guardaria pra mim.

Eles também se foram. E também doeu.
Mas me fez pensar muito sobre o papel da gente nessa vida.
Avó e avô são pessoas que simplesmente, estão ali.
E por muitas vezes, dão trabalho. O fim da vida é parecido com seu início .Exige cuidado, atencao, carinho, paciência, tempo. E pode parecer que nao ha nada em troca. Eles simplesmente estão ali.
Por vezes, e nao sem razao, a gente até pensa "sera que ja nao chegou a hora?". Mas a hora nao e a gente que sabe. E ainda bem.
Mas aí a hora realmente chega e voce percebe que, "estar ali" era o grande presente. Sao as pessoas que começaram sua família.  Sao as que estavam nesse mundo muito antes de você pensar em existir. São eles os motivos de unir a familia, nem que seja só no fim do ano. Parecem cristais prestes a quebrar, mas a verdade é que a pele enrugada e a lentidão sao as marcas de quem já cansou de ser forte.

As vezes, eu só queria ligar e trocar aquela meia duzia de palavras cotidianas. Ou segurar no braco deles e ajudar a descer o degrau. As vezes, só queria abrir o embrulho todo brilhante e agradecer aquela toalha de banho colorida. Ou reclamar que o beijo da vó molhou toda minha bochecha.
Talvez a grande ironia da vida seja justamente  ter mais tempo com eles quando se é crianca e ser criança e não valorizar o tempo com eles.
E quando a gente cresce, eles já foram. E nos resta a saudade e a lição de que o amor está, literalmente, nos "pequenos" momentos.

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