domingo, 23 de março de 2014

de(stino)veria ser

 Andava despretensiosamente pelas ruas cheias de arvores quase verão. Dava um passo por vez e olhava pra frente, ouvia os carros, os pássaros e se ouvia. Pensava nela mesma e em como era bom estar ali, só ela e com ela

Ele, do outro lado da calçada, andava na mesma rua. Prestava mais atenção nela e em como ela andava, em como olhava o seu redor e nem percebia sua presença do outro lado.

Passou um carro, dois, três. E parou. Resolveu atravessar. Não para segui-la, mas pra ficar mais perto.

Ela percebeu. Olhou pra trás e despretensiosamente era só o que queria parecer. No fundo, buscava outros olhos para os quais prestaria mais atenção.

O Sol resolveu se por para aquarelar o céu. E eles pararam. Ela olhou pra trás. Ele pra frente. E por algum motivo ou por nenhum deles, perceberam o que já devia ser.

Mas nada é tão mágico assim. E voltaram a andar, um pouco mais perto, mas andaram.
E como devia ser, as mãos trombaram e se entrelaçaram.
Os pensamentos sintonizaram.
Os olhares cruzaram.
E o beijou expressou o que já devia ser. Há muito.

quarta-feira, 19 de março de 2014

vários deles

"Se você é medico, é porque considera a vida dos seus pacientes um pouquinho melhor que a sua".

É, talvez, seja isso. Eu que achava que a vida de todo mundo era igual, já nem acho mais. Acho a dos outros mais importante, e, principalmente, daqueles que foram acometidos por algum tipo de doença, de desvio do que é fisiológico, por algo fora da capacidade deles de resolverem. E, por isso e muitas outras coisas, confiam em pessoas até então desconhecidas, para abrir o que lhe é mais íntimo: o corpo, e possivelmente, a alma. Abrem suas histórias, suas vidas, seus medos e confiam, simplesmente. Fazem isso, devido a um diploma de 6 anos ou mais. E basta pra eles. É pouco, mas basta pra eles. O resto, vem com a confiança de que somos gente também e que entenderemos a mesma humanidade. Ou nem é isso.
Eles simplesmente se abrem sem pensar muito em nós. Nós, não médicos, nós que vestimos o jaleco e vamos ali, na beira do leito, enchê-los com perguntas. Me dei conta, de repente, que guardava os dados pessoais e histórias para além da doença de cada um que resolvia me ajudar. E que eles confiavam já, mesmo sem o diploma. Mesmo sem o conhecimento. Talvez porque o mundo não seja tão frio quanto parece e há nele pessoas. Pessoas. Não precisam de muito para confiar. Muito menos quando estão sofrendo. Se abrem na dor e contam sem rodeios, alguns até com sorrisos. E quem se perde com tanta confiança, é a gente ali do outro lado que sente uma vontade maluca de largar as formalidades, puxar a cadeira e bater um papo. Abrir a vida também e dizer: "olha só, somos parecidos, torço muito para que sua dor melhore e logo, faça tudo o que deseja!" E a gente aprende....Aprende que nossa vida tem muito valor e que cada minuto do dia é bem importante para mudar o rumo dos nossos caminhos. Aprende a valorizar quem está do nosso lado e quem não está também. Aprende que nosso corpo tem uma capacidade enorme de suportar muitas dores e, ao mesmo tempo, uma fragilidade enorme de suportar muitas dores. Aprende que não importa raça, sexo, genero, opção política, sexual ou religiosa, mas que o brilho nos olhos é o que mais diferencia cada um. Sei lá, mas eu acho lindo.

Hoje, sem muita explicação, me bateu uma tristeza e um desânimo bastante grande sobre a vida e tudo o que eu ando fazendo dela. Não quis fazer mais nada além de pensar. As vezes, a gente cai nessas de que deveria estar fazendo outra coisa. Deveria ter escolhido uma vida mais fácil, uma coisa mais leve, algo mais alegre. Podia chegar em casa mais cedo, não pegar tanto transito, não gastar tanto tempo estudando. Podia ter tempo pra dormir, sair com os amigos que tanto reclamam-com razao-que eu sumi. Podia ter uma rotina menos massacrante e mais leve. Podia tanto....A gente sempre pode muito, tem um milhão de caminhos e ao tomar uma decisão, sempre haverá os outros por que não. Sempre. E no meio do caminho, nos esquecemos o porque mesmo de estarmos nele. E não em outro que parece andar com mais tranquilidade e numa trilha mais bonita. Vale uma boa memória para se lembrar que deveria haver uma escolha e por algum motivo, você fez aquela. Pode não ser a mais bonita, a mais legal ou a mais tranquila, mas foi aquela que teve o bom motivo para escolhe-la.
O meu bom motivo eu relembro todos os dias quando um paciente sorri e diz "obrigado" mesmo que eu não tenha feito nada, além de incomodá-lo tentando aprender. Obrigada, queridos, por tanto, mesmo ainda sendo tão pouco.