sábado, 23 de maio de 2015

níveis detectáveis

Entre todas as coisas que aprendi nessa semana (intensa), tem uma que me marcou mais:
esperança é um sentimento genuinamente humano. Talvez nasça conosco, o que justifica que crianças e jovens tenham mais esperança do que adultos e idosos com muitos anos de currículo.
O ditado diz que é um sentimento que nunca morre. Não sei se morre e prefiro não saber, porque deve ser assustador essa situação. Mas eu sei que diminui. Diminui a níveis indetectáveis, as vezes.

Hoje em dia, parece o ambiente propício para isso. Explico. A gente sabe que existe violência, pobreza, marginalidade, desemprego, miséria, desigualdade, maldade, hipocrisia, corrupção e uma lista infinita de coisas que, a cada, dia, vão deixando nossa esperança pequenininha. Mas, tem alguns momentos pontuais de maior crise, que a gente passa a refletir mais e aí, nossa esperança cai exponencialmente. Essa semana começou assim. As notícias das facadas no Rio de Janeiro se fizeram presentes ao longo de toda a semana. Era na Lagoa, na Barra, em São Conrado. As noticias de assassinato também, era na Ilha, na Maré, na zona Norte. E as muitas outras violências que não são tão divulgadas, ou que talvez, tenhamos incorporado (erroneamente) como "naturais".Todas estavam/estão la. Seja lá como for, as notícias levaram muita gente a reflexão esses dias, inclusive eu.  Reflexão e a sentimentos também. Aquele de impotência diante da injustiça, aquele de decepção com o mundo, aqueles sentimentos que te acometem as vezes, mas precisam ser dosados para que nao te paralisem. Te façam caminhar e não parar. Tive a sensação real de que o mundo tava todo errado. Todo. E que só uma faxina global, tirando toda a sujeira, salvaria-nos. Algo como, literalmente, pedir pra todo mundo se retirar, arrumar a casa, e mandar voltarem e habitar "corretamente". Chacoalhar o planeta Terra, assim como chacoalhamos nossa mochila ao fim do ano, para tirar todas as porcarias que existem la dentro, passar um pano, ou melhor, enfiar na máquina, e recomeçar. Do zero. A sensação era de que tudo estava perdido. De que precisávamos urgentemente de reset.

É horrível. É horrível chegar nesse -não- limite de esperança e, mais do que isso, sentir que não há nada há fazer.

Bom, Deus foi genial quando dividiu nossa vida em dias. E colocou-os de uma maneira sensacional um após o outro. Foi genial. É genial. Porque um dia nunca é igual ao outro, e quando há um ruim, há outro amanhecer. Sempre. Não há garantias de que vá ser melhor, mas será outro....

Aqui, peço um pouco de licença na coerência do texto e quero voltar ao início, onde eu disse que esperança vai diminuindo...
Esperança, caso morra, tem a capacidade de renascer. De se fazer de novo
Mas, tudo o que já foi um dia e quer re-ser, precisa de mais. Não é tão fácil quanto antes.
Tipo a Fênix: aposto que sair das cinzas é bem mais difícil que nascer da mamãe Fenix.
A esperança, portanto, não vai renascer sem motivos, sem atividade, sem vontade de que isso aconteça
Ela exige. Exige sua própria busca. Exige que saiamos do sofá, da comodidade, do desânimo do "mas nao vai mudar mesmo" e cheguemos a novos mundos.
Ela quer que, mesmo cansados, renovemos também. Nossa rotina, nossos sonhos, nossas verdades. Renovar pode ser mudar, pode ser voltar a acreditar, pode ser fazer acontecer.
Mas seja lá como for, precisamos sair. Sair da espera de que a esperança vai vir sozinha, do nada, num domingo calmo, entrar no nosso coração e nos fazer, subitamente, crer novamente.
Não.
Ela vai voltar sim. Ser de novo.
Mas se a gente for em busca. Não dela diretamente. Mas em busca do que nos faz bem e do que nos faz ser.
Assim, quando a gente menos lembrar, ela estará lá de novo. Implantada no nosso coração.
Deixando o mundo mais colorido e nossa vida com mais sentido.
A verdade é que, o mundo será o mesmo, a diferença é a forma como olharemos a ele....

E assim foi....Essa foi minha lição. Os dias foram passando e chegou o dia em que, pela manhã, realizaria uma atividade a qual assumi inteiramente-mas não sozinha- a responsabilidade. Desde a idéia inicial até a concretização. Era uma atividade que nem parece tão complexa, mas como toda organização, envolve preocupação, flexibilidade, confiança no próximo, capacidade de resolver problemas que não estavam previstos entre muitas outras habilidades. Habilidades as quais não tenho, mas a gente se coloca a prova, para crescer, para amadurecer e, mais do que ganho pessoal, se surpreender. Eu me surpreendi positivamente, com pessoas que confiaram em nós, que se dedicaram inteiramente numa atividade inédita, com alunos interessados em mais conhecimento em um dia livre pela manhã, com uma professora que disponibilizou seu tempo para orientar a gente e participar da atividade por livre e espontânea lindeza, com amigos que diziam para eu ficar calma que ia dar tudo certo, enfim, me surpreendi com os outros. A gente não faz nada sozinho. E é muito melhor não fazer mesmo. A gente chega mais longe junto e o sentimento de realização é maior também.

Depois, iria para outro momento inédito e sonhado e pensado e esperado....No mesmo dia, me vestiria de palhaça com outros amigos de um grupo já formado e sairiamos as ruas: achar possibilidades, quebrar a rotina das pessoas, arrancar sorrisos e levar para casa o imprevisível.
O nariz vermelho é sua permissão para ser no mundo. O que você quiser. Ser você mesmo. Ser sua essência, sua ingenuidade, seu começo, você sem suas máscaras sociais.
E, principalmente, descobrir que as pessoas estão só esperando uma oportunidade para sorrir.
Carregam consigo todo o peso do mundo, em cada mundo particular e, ao encontrar um palhaço, é um respiro. Uma expiração. Uma leveza
Olham de verdade. Como deviamos olhar todos os dias. Olham com curiosidade, olham querendo olhar.
As crianças veem magia.
Os adultos veem a permissão de quebrar a seriedade.
Os velhos veem leveza naqueles "bobos'...

E, sem nem mais perceber, me enchi de gratidão.
Gratidão por assumir algo, me entregar e ir até o fim, mesmo que com medo. E ver que o fim foi recompensador.
Gratidão por me encontrar com o outro de verdade e perceber que, na real, estamos no mesmo barco e ainda assim, conseguimos sorrir...
Gratidão por Deus permitir tudo isso...
Gratidão,puramente.

Voltei para casa pelo caminho que eu achava menos perigoso e não o caminho mais fácil
Tive palpitação quando o cara do banco de trás do onibus bateu a bolsa, sem querer, no meu banco e o barulho de metal me fez lembrar de uma faca.
Andei sem mexer no celular para não me expor mais ainda.
As coisas continuam da mesma forma.
Os muitos problemas da nossa cidade, do pais e do mundo, continuam aí.
Mas, entre tanta coisa ruim, busque o que faz seu coração vibrar.
Arrisque-se, se joga, se entregue.
Rodei-se de gente boa, de gente incrível
Porque só assim, aquela...a tal da esperança, terá alguma chance de reaparecer.
E se assim ela o fizer, mudará, não o mundo, mas o olhar sobre ele.
O que, de alguma forma, já é o primeiro passo para uma mudança maior.



sexta-feira, 8 de maio de 2015

"Doutora"

Acordei e todo o dia passou pela minha cabeça em uns segundos.
Sair da inércia quando se está na cama parece mais difícil ainda, mas a gente sempre acaba levantando. É um tipo de decisão moral. Do que é certo. 
Escovei os dentes, tomei banho, tomei café, disse tchau, peguei o ônibus peguei trânsito, pensei na vida, pensei no sono, cheguei.
Entrei no quarto. 

O urologista estava explicando como seria a cirurgia e pedindo pra que ele assinasse o termo. Aquele que todo mundo tem que assinar para respaldar o hospital e deixar o paciente sabendo de todos os riscos. Aquele que não respalda o paciente. Só o desespera.
Deu pra ver os olhos arregalados, a mão inquieta, a expressão agoniada, os ombros baixos. 
Ele ainda perguntava, expressava com palavras o seu medo, os seus muitos medos. 
É só uma burocracia, calma. 
Ele assinou, o urologista continuou explicando. Era simples, para prevenir, nada grave, praxe. 
E saiu.

Era minha vez.
E aí, como estamos hoje?
Eu sempre acho legal quando me lembram que, mesmo que a situação seja individual, tem alguém ali por perto. Mesmo que sem fazer muita diferença. E aí entra o estamos. 
Ah doutora(quem dera, penso eu), to com muito medo.
E era essa a maior queixa. Eu perguntei da urina, das fezes, do sono, da febre. Mas o que doía mesmo era o medo. O nervoso, a ansiedade. 
Se a gente tem um sintoma, a gente aprende a perguntar mais sobre ele e assim foi. 
A situação não é tao grave. A quimio vai bem. O físico vai bem. Mas o coração vai mal.
To com saudades. Dos meus filhos pequenos que não podem vir me ver e não gostam de falar no telefone. Da minha casa. Já faz um mês. Um mês. 
E sabe, nessa hora, eu senti. Senti quando dizem que a medicina falha. Ela não falhou tecnicamente, mas eu senti que não tinha um livro que eu tinha que ler de novo para entender melhor. 
Eu tinha um olhar e um desabafo e não se tratava de entender. Era só compreender. 

 Nessa hora, em que não adianta pedir pra se acalmar, dizer que tudo tá bem, que você tem que ser menos ansioso. Não adianta e seria hipocrisia minha dizer tudo isso. Coisas que não gosto de ouvir quando passo por momentos difíceis. Nessa hora, nós sabemos o que "temos que ser", mas nós somos. E ser não inclui "tem que".

E depois de algumas tímidas lágrimas, de deixar ele falar, eu respondi. As vezes,  não basta estar presente e olhar. Quando alguem fala, o outro escuta. Mas depois,espera-se uma resposta. E era necessária. Não podia sair dali, como quem não sabe o que falar. Não saber o que falar também é uma forma de inibir um próximo desabafo. Afinal, se fosse pra falar sem ouvir, a gente falava sozinho. E quanto mais coisas se guarda, mais elas se expressam de outro jeito. 

Bom, disse que, nessa vida, é mais fácil quando damos pequenos passos. Olhar o todo é assustador as vezes, mas olhar o próximo passo, não. Então, é só olhar o próximo. E depois o próximo. E aí, ao se virar, atrás estará tudo aquilo que você achou que não conseguiria. 

Quando a gente poe o jaleco, perde um pouco a identidade para ganhar uma baita de uma responsabilidade. E, as vezes, é preciso tirar um pouco o jaleco e voltar a humanidade. 
E é humanidade. Além de crenças, opiniões, experiências. Difícil transcender nosso jeito para achar o que há em comum ali.
É, de alguma forma mágica o que eu ainda estou tentando descobrir: usar o que é subjetivo e pessoal como base maior de algo que precisa ser expressado de forma quase impessoal e comum. 

Difícil isso. 
Se comover sem se envolver. Compreender e mostrar compreensão sem senso-comum. 

Difícil ser cientista e artista, ao mesmo tempo. Difícil falar aquilo que ajuda e não atrapalha. O limiar entre a solução e o estrado. A tênue divisião entre a calma e o medo.

"Obrigado, doutora. Obrigado mesmo"

Acho que eu que deveria agradecer.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Pra sempre

Não me lembro quando eu aprendi o que significava "pra sempre".
Mas me lembro bem quando descobri que ele acaba.
E foram assim algumas vezes. Para sempre, acaba, pra sempre, fim, e ,pra sempre, e foi.... 
E lembro quando comecei a questionar: que palavra é essa sobre coisas que não existem?

Talvez a definição seja similar ao que é eterno.
Talvez a gente descubra que nada é eterno.
Ou talvez, seja só um problema de definição mesmo
A gente pode cair no erro, e geralmente acontece, quando tentamos cercar as palavras, que são, por sua natureza, livres.

Pra sempre existe. 
A gente só precisa da sabedoria de perceber o que se tornou o nosso sempre.
Se o amor virou carinho, se a mágoa virou perdão, se a culpa virou rancor, se a raiva virou ódio que disfarçou o amor. Ou se o amor virou serenidade, se a serenidade virou paz, ou se a paz virou lição.
É só uma questão de escolher qual pra sempre é melhor.
Ou, talvez, de não defini-lo.