segunda-feira, 8 de junho de 2015

mesma direção

Geralmente, prefiro me abster de temas polêmicos e posts longos. Prefiro guardar minha opinião para conversar com amigos mais próximos, onde posso argumentar, me defender, ouvir e aprender. Onde não há muito espaço para ofensas sem limites como através da tela do computador.
Em tempos de muita informação e pouca busca por conhecimento profundo sobre as causas, há muitas opiniões e poucos argumentos. Há muita reprodução, discussão, briga e pouco crescimento. As polêmicas só crescem e há a falsa sensação de que crescemos com ela, quando, no meu ponto de vista, estamos diminuindo muitas vezes.
Perdemos a chance de ler e desperdiçamos horas escrevendo.
Por tudo isso, prefiro ler, filtrar, pensar e, raras vezes, expor o que me resta.

Mas o último grande acontecimento facebookiano me incomodou profundamente. Me incomodou e me criou a necessidade de aqui escrever mais do que das outras vezes. Além de ser cobrada por isso. E assim o faço.

Estou aberta a conversas, mas deixemos as ofensas e indiretas de lado.

Prazer, Lia. Essa sou eu. Lia. O que vem a seguir são partes de mim e não meu ser todo: mulher, hetera, católica, estudante de medicina. Levo muito a sério as pessoas que eu amo. E elas incluem gente da minha família e claro, meus amigos ou melhor, a família que eu escolhi. Entre todas essas pessoas, tem umas que são magras, gordas, negras, brancas, chatas, inteligentes, legais, irritantes, divertidas, sérias, gays, lésbicas, bis e até indecisos. São meus amigos, primos, amigos-irmãos. Enfim, são gente. E os amo, não importa o que eles sejam, amor não vê essas coisas. Por falar em amor, esse é o assunto que eu mais ouço nas missas de todo domingo. Desde pequena, vi na igreja algo maior. O respeito ao próximo, a nós mesmos e a Deus. O que fez sentido pra mim. E Deus até pode ser Amor e pronto. Mas eu acho que Ele merece mais do que só fazer o bem por aí. É só uma questão de ser. Senti. E assim tento prosseguir. Mas entendo que cada um encara como quiser o que te faz sentir bem e o que te aproxima de Deus. Entendo que religião é uma escolha pessoal e tudo bem não ter nenhuma delas.

Bom, dito isso, a Viviany é trans. Ela sofreu a vida inteira por isso. Por esconder ser quem era, até se assumir e assumir todas as consequências da sociedade por ser assim. Eu não entendo nem metade do sofrimento que ela passou e ainda passa. E nem vou entender. Nada mais pessoal do que sofrer. Mas tenho profundo respeito por pessoas que tem a coragem de assumirem ser quem são. A gente não precisa entender o que os outros passam, mas o ser humano tem um sentimento intrinseco chamado compaixão. A gente se compadece, sente um pouquinho do que o outro tbm sente e passa a compreender melhor. E respeitar antes de julgar.  É uma forma de amor. Estar triste porque o outro também está. Defender o direito que o outro também tem. Esvaziar se um pouco de si mesmo para sentir o outro e se deixar influenciar. Um amigo, há um tempo, depois de muito esconder e sofrer por anos, cansou. Veio conversar comigo dizendo o medo que tinha de ser julgado por mim e disse que era gay, mesmo sem nunca ter ficado com um homem. Nunca passou pela minha cabeça mandá-lo embora, como ele temia. E, assim como aprendi com a minha vó rezando o terço todos os dias e acolhendo todo o tipo de pessoa na sua casa, eu o abracei. E disse que estava na hora dele ser quem era. Foi isso que eu aprendi e é isso que eu quero viver.
Por tudo exposto, eu compreendo o quão Viviany e milhares de transsexuais estão cansados de se calar. Estão cansados de serem agredidos. E precisam ser ouvidos. E a minoria só consegue ser vista quando incomoda, quando choca. E é isso que estão fazendo. Incomodando e chocando. Toda grande mudança é assim e esse é o caminho. Mas, como tudo que está vindo com muita força, pode acabar não vendo outros pontos de vista.
Chocou. A imagem de Viviany numa cruz chocou o mundo. As discussões estão borbulhando e há quem se coloque fervorasamente contra ou a favor.

Eu olhei a imagem algumas vezes. Eu li algumas publicações a favor e outras contra. E olhei a imagem de novo. Refleti, pensei, pensei de novo. E cheguei aqui. Até me dei a chance de mudar de opinião, mas não consegui.

A imagem me ofende. Muitas imagens me chocariam e me incomodariam sem ofensas. Mas essa, em particular, tem esse ponto.
Antes de dizer o porquê, digo que não é só essa imagem que me ofende: o neymar crucificado na capa da revista também, a sessão fotográfica representando padres pedófilos também, fantasias de padre no carnaval também, a Cruz como símbolo de deboche também, as imagens de Maria sendo destruídas na rua também, os vídeos do Porta dos Fundos sobre Jesus, as imagens debochadas do Papa e as charges do Charlie também e, eu imagino como os mulçumanos se sentiam com tais charges, mesmo que isso não justifique morte nenhuma.

Você pode dizer, foda-se. Ta ofendida? E daí, nossa causa é maior que isso. E eu direi, é verdade. Eu ofendida não vai causar nenhum impacto quanto essa foto e vida que segue.
E além do mais, como estudante de medicina, entendo que a mente das pessoas são diferentes, o corpo de cada um é diferente e estudo para, entre outras coisas, me adequar a cada uma dessas pessoas que serão atendidas por mim. Entendo que a causa trans é pertinente e está só começando, há muito o que mudar.
Mas sabe, fiquei pensando também, a ofensa não é pela causa. Não é pela Viviany. A ofensa é pela cruz usada deliberadamente sempre que se quer chocar e por vezes, debochar. Quando, além da "crucificação", há a cruz como objeto sendo colocada na bunda, quando há beijo na boca, quando há o Neymar pendurado, enfim, é inegável que não é só para ser ouvido e sim, para provocar.
E eu me pergunto, provocar o quê? Se a gente começa a juntar a uma causa (seja qualquer uma e não só a parada lgbt), o ataque ao outro, porque um dia somos atacados, não andamos para frente. Ficamos parados, afinal, de um lado vamos para a direita e do outro vamos para a esquerda, a gente tromba e cai. Ou a gente se separa e se perde.

Explico. A Cruz é sagrada para os cristãos. A Cruz é símbolo máximo de amor sim. É importante para mim e para qualquer um que acredita. Carrega consigo uma mensagem, fundamentos, valores, enfim, carrega muito. Jesus é homem. Jesus é Deus. Foi crucificado, sofreu, falou e viveu amor e continuou sendo Deus e homem. Você pode não entender ou acreditar em nada disso. Pode não fazer sentido nenhum e, sinceramente, meu objetivo aqui não é evangelizar ninguém. Não quero fazê-los acreditar. Mas entendam o significado da palavra sagrado e pensem em algo nessa dimensão para vocês. E mesmo que não seja sagrado, mas que você nutre profundo respeito. Você respeita, é importante pra você. Não precisa ser importante para o outro, mas precisa ser respeitado também. Isso inclui perceber até aonde podemos ir e aonde devemos parar. Como uma pessoa muito importante para você que não pode ser comparada porque ninguém vai entender o que ela realmente significa, além de você. Como um término que só você sabe o que cabe ser debochado e o que nem cabe ser citado. Como a relíquia de família que sua vó passou pra você e até o lugar que você vai guardar sera pensado e preparado. Enfim.
Quando me deparo com algo assim sendo usado, literalmente, como mídia, instrumento de deboche, forma de comparação entre vítimas, a causa perde um pouco o sentido. Me parece não querer convencer e somar, mas atingir, ferir, se vingar. E voltamos a caminhar para lados opostos e no fim das contas, ficarmos no mesmo lugar. Se torna jogo de ofensas e não há mais avanços palpáveis nisso.
Se a gente se ofende e olha para cada cristão com olhos de "não gosto de você porque você não gosta de mim e eu nem te conheço" só estamos reproduzindo aquele que diz "não gosto de você porque você é gay". Nas duas situações falta conhecimento. Falta querer conhecer o próximo.Ser gay, ser cristão, ser estudante, ser negro, ser mulher, ser alto, ser magro, ser gordo, nada disso diz sobre sua essência. E sua essência você só mostra se conhece e só conhece se confia. E se isso acontece, começamos a resolver alguns dos muitos problemas do mundo.

Aposto que tem pessoas incríveis na passeata lgbt assim como tem na Marcha para Jesus assim como tem na missa dos domingos. E aposto também que tem gente não tão legal assim em todos esses lugares.
À primeira impressão, a gente se marca pelas instituições que frequentamos, pela causa que defendemos e pela posição política que lutamos. É natural se unir e se identificar. Criar laços e desfazer outros.
Mas, nesses tempos de muitas bandeiras, não esqueçamos cada pessoa. Se a gente entende que trans são assim e nasceram assim e serão felizes assim, a gente também entende que rezar é importante para algumas pessoas e elas são felizes assim.
Se entendemos que é melhor não jogarmos numa roda de conversa descontraída com os amigos o nome da mãe de algum deles por pura zuação, também entendemos que é melhor deixarmos as piadas sobre umbanda de lado.
Se Jesus é sagrado para alguns, a gente consegue usar outra forma de chocar que não seja usando sua imagem.
Se buscamos o respeito, que seja mútuo.
Se queremos todos a mesma coisa, vamos andar juntos para o mesmo lado.

Quem sabe assim, a gente consiga ir mais longe.

Mais tolerância, mais respeito, mais humanidade. De todos os lados. Por favor.



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