A vida é um sopro. Ou de varios sopros se da a vida.
Vivemos no intervalo de um inspiracao e outra expiração. Intercalados por taqui e bradipneias, dispneias e suspiros.Vivemos. Entre tropeços. Corridas. E pausas. E talvez, numa bela tarde chuvosa, a gente se olhe por fora. Pra notar que mais corremos que vivemos. E por vezes, competimos. Só nao sabemos ao certo com quem. Competimos essa batalha ja perdida. Ou ganha? Sabemos o fim. Por que saber o fim nao pode ser um trunfo, inves de uma derrota?
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A medicina me irrita por tantas vezes. Me consome. Me entristece. Me cobra. Me leva a exaustão. Me afasta. Me interroga. Me faz me perder de mim.
A medicina me faz chorar. De dor. De medo. De ansiedade. De cansaço. De alegria. De superação. De conquista.
Nao sei se, entre uma respiração e outra, eu escolhi ou fui escolhida.
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"Por que medicina?"
Me indagam. E minha resposta mais sincera talvez seja: nao sei mais.
Ja vi seu lado mais bonito. E mais feio. Suas podridoes. E seu heroísmo. Ela transforma, arrebate, imerge. Quando acha ja te pediu tudo, te exige mais. E quando acha que vai exigir, te alivia.
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Eu lembro, em algum pensamento remoto de uma Lia bem mais nova, que eu queria fazer algo que fizesse muita diferença no que eu achava que mais era importante no mundo. A vida do próximo.
Eu podia nao ser boa nos esportes, na musica, na arte, nos relacionamentos, na Historia, na Geografia e na matemática. Podia ser timida, a ultima da fila, a mais caxias, a menos habilidosa. Mas queria fazer alguma diferença. Seja la o que acontecesse, pelo menos aquela pessoa saiu melhor por mim. Aquele mundo todo. Dela. E aí valeria a pena.
Enxergava o mundo todo como varios mini mundos de cada um. Nunca fui de grande multidões. Prefiro as individualidades.
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No percurso, descobri suas outras faces. A exaustão, o romantismo, a hipocrisia, a mercantilização. Me perdi algumas vezes me sentindo ruim. Pessoa ruim. Medica ruim. Mulher ruim. Tocar "a alma humana " parecia mais frase de formatura clichê do que vivência real.
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Mas a medicina tem disso. Parece que traz um pico em seguida ao nadir. Parece a vida mesmo. Traz momentos de olho no olho. De confianca. De "obrigada dra, eu consegui". De confissões. De alívio. De gratidão. De recompensa.
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Ser médica é só uma das minhas múltiplas partes. Nem sempre a mais bonita, mas certamente uma que me transforma diariamente. Ocupa muitas das minhas respirações. Isso quando nas as acelera ou as interrompe. Me faz enxergar, acima de qlqr outra coisa, que a vida é um instante. Vendo tantos deles se desenrolarem à minha frente, eu aprendo, todo dia, o valor de viver. De diferentes perspectivas.
Respeito e tenho a ciência como parte fundamental do meu trabalho. Nossa responsabilidade nao é poética. Nosso saber é limitado. Mas rezo para que toda vez que eu me perder na frieza dos livros e da rotina, saiba o caminho de volta. Quantas vezes forem necessárias.
Afinal. Nao ha felicidade sem completude. E nao há completude sem amor.