segunda-feira, 19 de outubro de 2020

18.10

 A vida é um sopro. Ou de varios sopros se da a vida.

Vivemos no intervalo de um inspiracao e outra expiração. Intercalados por taqui e bradipneias, dispneias e suspiros.
Vivemos. Entre tropeços. Corridas. E pausas. E talvez, numa bela tarde chuvosa, a gente se olhe por fora. Pra notar que mais corremos que vivemos. E por vezes, competimos. Só nao sabemos ao certo com quem. Competimos essa batalha ja perdida. Ou ganha? Sabemos o fim. Por que saber o fim nao pode ser um trunfo, inves de uma derrota?
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A medicina me irrita por tantas vezes. Me consome. Me entristece. Me cobra. Me leva a exaustão. Me afasta. Me interroga. Me faz me perder de mim.
A medicina me faz chorar. De dor. De medo. De ansiedade. De cansaço. De alegria. De superação. De conquista.
Nao sei se, entre uma respiração e outra, eu escolhi ou fui escolhida.
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"Por que medicina?"
Me indagam. E minha resposta mais sincera talvez seja: nao sei mais.
Ja vi seu lado mais bonito. E mais feio. Suas podridoes. E seu heroísmo. Ela transforma, arrebate, imerge. Quando acha ja te pediu tudo, te exige mais. E quando acha que vai exigir, te alivia.
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Eu lembro, em algum pensamento remoto de uma Lia bem mais nova, que eu queria fazer algo que fizesse muita diferença no que eu achava que mais era importante no mundo. A vida do próximo.
Eu podia nao ser boa nos esportes, na musica, na arte, nos relacionamentos, na Historia, na Geografia e na matemática. Podia ser timida, a ultima da fila, a mais caxias, a menos habilidosa. Mas queria fazer alguma diferença. Seja la o que acontecesse, pelo menos aquela pessoa saiu melhor por mim. Aquele mundo todo. Dela. E aí valeria a pena.
Enxergava o mundo todo como varios mini mundos de cada um. Nunca fui de grande multidões. Prefiro as individualidades.
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No percurso, descobri suas outras faces. A exaustão, o romantismo, a hipocrisia, a mercantilização. Me perdi algumas vezes me sentindo ruim. Pessoa ruim. Medica ruim. Mulher ruim. Tocar "a alma humana " parecia mais frase de formatura clichê do que vivência real.
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Mas a medicina tem disso. Parece que traz um pico em seguida ao nadir. Parece a vida mesmo. Traz momentos de olho no olho. De confianca. De "obrigada dra, eu consegui". De confissões. De alívio. De gratidão. De recompensa.
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Ser médica é só uma das minhas múltiplas partes. Nem sempre a mais bonita, mas certamente uma que me transforma diariamente. Ocupa muitas das minhas respirações. Isso quando nas as acelera ou as interrompe. Me faz enxergar, acima de qlqr outra coisa, que a vida é um instante. Vendo tantos deles se desenrolarem à minha frente, eu aprendo, todo dia, o valor de viver. De diferentes perspectivas.
Respeito e tenho a ciência como parte fundamental do meu trabalho. Nossa responsabilidade nao é poética. Nosso saber é limitado. Mas rezo para que toda vez que eu me perder na frieza dos livros e da rotina, saiba o caminho de volta. Quantas vezes forem necessárias.
Afinal. Nao ha felicidade sem completude. E nao há completude sem amor.

Cores do cerrado

 Fomos 3. Eu, Mi e Fe. Ja nem me lembro mais há quantos anos a gente idealiza uma viagem, um mochilao, uma fuga.

Eu acredito no tempo certo das coisas. Na fluidez de energia. Nos planos de Deus. E te falar, continuo me surpreendendo, mesmo acreditando. Por que a gente torce pra ser bom, mas tem coisa que supera completamente nossas expectativas. Daqueles momentos que a realidade fica melhor do que qualquer sonho. E a vida mostra seu sentido. Sua intensidade. Sua vibração mais genuína.
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Dia 4 de outubro saimos de chapeu de palha, botas de trilha, biquínis e maios e uma mala de mao pra 7 dias. Ninguém tinha colocado os pés no Norte do País, nao conhecíamos ninguem no Estado mais caçula da Federação. Mas fomos de coração aberto, sorriso largo e vontade de viver. Quando eu olhava pro lado, cruzava com duas almas que brilhavam. Simples e lindas. Parceiras e reflexivas. Amadoras na blogueiragem e profissionais na capacidade de cativar.
E cativamos. E nos deixamos cativar.
Sábio Pequeno Príncipe que ja dizia: "cativar significa criar lacos"
Bom, difícil dizer quais os laços mais fortes.
Se foram entre nós mesmos e a parte de nós que se esconde na loucura da rotina e emerge com mais vontade que a agua de um Fervedouro quando nos dispomos a sermos essencia. Dizem que ninguém volta igual de uma viagem. E aquelas terras tocantinenses sabem disso.
Nao sei se os lacos mais fortes foram entre nós 3, eu mireeeelle e fefe que nos vimos em situações inéditas e só confirmamos que nossa sintonia aumenta com o tempo e com o mato.
Se foi com ele, o mato. Ou ela, a natureza. Que é e sempre será nossa casa. Mas com frequência esquecemos disso e a maltratamos. O Jalapao é um paraíso esquecido. Paraíso porque é lindo. Lindo me parece uma palavra pequena demais pro que é aquele lugar. Mas acho que ele nao cabe em nenhuma palavra. Seu cerrado colore o ceu, o chao e as aguas. E quantas aguas! Seja rio, cachoeira ou fervedouro. Todas cristalinas e coloridas. Refletem seus arredores. Azul. Verde. Branco. Laranja. O proprio arco íris pintado por um Verdadeiro Artista.
Paraiso porque é lindo. E esquecido porque nao é muito visto por nossos governantes. Cuidado apenas pelos quilombolas. Achei estranho no início pra depois concluir que talvez seja melhor assim. Continuar esquecido por quem degrada e lembrado por quem respeita e entende que a propria natureza se cuida. É só a gente nao interferir que ela faz seu trabalho. E que trabalho!
Não sei qual laço foi mais forte.
Se foram entre as pessoas.
Entre nós e o Rui. Que de moleque estereótipo heterotopzera virou nosso tocantinense com sotaque paulistano (meeeeu) contador de piada sem graça, cantor ruim mas ecletico no estilo musical e forrozeiro que faz sarrada no volante e virou amigo inesquecível.
Entre nós e Mineirim, com seu jeito peculiar de contar historia e zuar da nossa cara quaaase fazendo nos nao perceber que por tras de tanta brincadeira, ele tava preocupado e cuidando de todo mundo.
Entre nós e os tocantinenses. Povo gente bonissima. Com um sotaque nem nordestino nem goiano nem caipira mas tudo isso junto. Cantado com jeito nortista. Vini com a melhor historia de como conheceu o Rio de Janeiro fez com que trocassemos o fervedouro pela melhor prosa embaixo da arvore e cheia de simplicidade e expressões peculiares. Aprendemos o que é moco. Incendiozinho. Chuveiro quadraaado. Mulher com coxa pé de manga. Que o buriti se arrocha. E o cheiro se manda pra quem vc cativa.
Thiaguinho passou rapido, mas o suficiente pra encantar com sua simplicidade elegante e olhar puro.
Nao sei se foi Jane, se foi o dono do Buriti, o Branquinho melhor cozinheiro de bolo de maracuja, a cozinheira de ponte Alta ou de Mateiros. Nao sei se foi o vendedor de sorvete de Buriti, Cagaita ou Bruto(os quais ainda sigo com dificuldade de identificar ehehheheheh).
Nao sei se foi os Vida ou o instagrammer anestesista amigo do Alok. Que começaram tímidos mas logo se renderam as "3 patetas". Se fecha ô paraqueda!
Se o laço foi comigo, com elas, com o lugar ou as pessoas.
Ou se foi simplesmente com o vento na cara ouvindo musica alta numa 4x4 na estrada com a terra que me cobriu por inteira. E nos fez gargalhar e ainda fara por muitos momentos em que estaremos em nossas rotinas sem uma a outra pra compartilhar. Vai virar aquela risada aleatória do "ta rindo do que?" "Nada nao lembrei de uma coisa".
Nao sei mesmo.
Se foi a Mi dancando que nem uma colher, a Fernanda fingindo que nao tinha medo do grilo mutante no meu cabelo, o Rui guiando numa travessia no Rio tipo globo reporter ou falando e ai? Leeticia? ou toda a comida caseira bem temperada que comemos.
O que eu sei é que o coracao ta apertado.
Talvez de saudade. Talvez de tristeza. Talvez de nostalgia. Mas certamente grato.
Foram 7 dias em Tocantins.
5 no Jalapao.
1 na Ilha da da Canela.
E outro a mais de 150 metros de altura a 60km/h numa tirolesa.
Que viagem! Que memória!
So tenho a agradecer.
Obrigada meu Deus, por tamanha generosidade.
Pela viagem. Pelas pessoas. Pelos lugares e pelas companhias.
Obrigada por me juntar com outras 2 meninas- mulheres que sabem que a vida boa mesmo é de pé no chao, vento na cara e cabelo molhado de rio.
Obrigada Cerrado, pelos amanheceres e entardeceres alarajandos mais bonitos que ja vi.
"Eu gosto do Por do sol. Vamos ver um?".
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Seguimos "cariocas", mas agora com amigos nortista, memórias tocantinenses, um pouco mais morenas e com o coração mais cheio.
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Obrigada, meu Deus, por me lembrar que pra ser feliz é disso que a gente precisa : pessoas que saibam o que importa na vida e nossa casa-mato de cenário. O resto, é história que vira memoria. Refúgio nosso de cada dia.
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