terça-feira, 18 de junho de 2013

Primavera

Algo maior e indescritível me movia a ir ao protesto marcado as 17 horas na Candelária. E eu me perguntava o porquê de tanta vontade, de se expor assim, correr risco em prol de uma causa ampla e talvez, sem conquistas. Mas nada importou quando eu me vi como pessoa, cidadã, cristã e estudante com o dever de participar. Talvez porque todos esses papéis se confluíram e lutar por direitos se ampliou em lutar pelas pessoas, inclusive pelas que nem existem ainda, pelo próximo e por mim tb. A hora que o povo se levanta e toma as ruas que eu achei só conhecer pelos livros, eu vi de perto. Eu fui.
Fui, com medo só porque nossa polícia resolveu não ser nossa e esqueceu sobre suas próprias limitações e, quando a gente perde as regras do jogo, forma-se um território obscuro. Mas eu tinha que ir com medo mesmo.
Descemos na Presidente Vargas em direção a Candelária e muita gente já se aglomerava e caminhava chamando o povo "Vem pra rua, vem!" com um sorriso no rosto. A multidão com cartazes, cantando e olhando pro alto a cada papel branco que jogava da janela me arrepiou de imediato. Eu tava ali. Presenciando que todo mundo busca não mais do que paz. Paz pra si, paz pros outros e estava se reconhecendo numa luta única. Foi bonito de ver e foi uma excelente forma de dispersar tamanho medo.
A multidão foi crescendo até entrarmos pela Rio Branco e ela se perder de vista. Contabilizam 100 mil pessoas. Era muita gente, gente o suficiente para gritar num só coro que a única bandeira era a do Brasil e junto com essa mesma bandeira, gritar o hino nacional. Gente carente de direito que pedia para descerem dos monumentos e pararem com as pichações. Eram 100 mil fazendo a diferença no Rio e juntos, gritando com São Paulo e Brasília e outras tantas capitais que chegou a hora de mudar.
Alguns dirão que não vale o esforço, que nada vai mudar, que são vários lunáticos e alguns imitadores que resolveram badernar. Dirão que é puro idealismo e que no fundo, o que importa mesmo o que a gente vive quando chega em casa e tem que dar conta do que não fez durante o protesto. Dirão que não tem propósito e a gente vive sozinho, o governo é outra esfera e nada tem haver conosco. Votaram errado, agora aguentem.
Eu diria que tenho pena desses tantos poucos. Só porque ainda não perceberam que não se trata de parar o Brasil e fim. Nem de falta de causa. Trata-se do excesso delas, a gente perde as contas dos motivos que temos para protestar. E já deveríamos ter feito isso há muito tempo. É sobre gente que paga um pouco mais a cada ano para andar de onibus lotado durante km e não receber aumento no proprio salário, é sobre motoristas que apresentam a maior taxa de stress entre as profissões, é sobre gente morrendo por falta de leito, de emergencia, de material básico nos hospitais que deveriam ser referência, é sobre preconceito, sobre uma Constituição bonita no papel, mas utópica na prática,sobre um investimento estratosférico na Copa e um fechar de olhos para educação, é sobre falta de humanidade dos poderosos que parecem esquecer que somos gente iguais a eles.  É sobre mudanças e toda mudança precisa de uma quebra, de uma manifestação. Tantos na rua é a nossa forma de mostrar que estamos aqui e pensamos. Pensamos e nos reconhecemos na mesma situação. E cansamos dela. Nossa arma é a insatisfação e o voto talvez seja insuficiente. Dar a cara a tapa pra mostrar pro mundo e para os políticos que o Brasil acordou e se o povo antes era levado, agora ele quer ser devidamente governado, representado. Se a ditadura resolveu se disfarçar de democracia, acho que as máscaras estão caindo, afinal, nada sem raiz dura eternamente. Orgulho é o nome do que eu senti quando me vi no meio de uma multidão que gritava pelos seus direitos e sorria ao meu lado, só porque a gente foi feito pra tá junto e dá pra sentir o que acontece quando muita coisa boa se concentra.
Quanto ao episódio da Alerj, não estava presente e por isso, não relato com tanta intimidade. Mas em relação aos focos de violencia, posso dizer que foram 4 horas de caminhada entre flores, cartazes, música e sorrisos para alguns minutos de depradação na Alerj. Não sei exatamente o limiar entre a revolta e a crueldade, não há como negar que toda grande mudança histórica passou por uma violência escrachada, mas, talvez, seja a hora de mudar isso também. Eu sei que alguns prédios simbolizam valores escassos hoje em dia e protesto pode parecer improdutivo sem marcas estruturais. Quando o jogo perde as regras, a gente inventa as nossas próprias, mas se as formas de organização mudaram via redes sociais, porque a gente não pode acreditar também numa forma diferente de lutar? Não é demagogia, é só a extensão da esperança que a gente procura. Quando o movimento perde a legitimidade, falta confiança e se falta confiança, deixa de mobilizar a tantos. Se faltar coragem, vá assim mesmo, vale a pena lutar por uma causa, ainda mais quando ela é a mesma para tantos. Para um país inteiro.
Antes de chegar no ponto de onibus, nos juntamos a uma ciranda que cantava três palavras: Paz, amor e liberdade. E A roda só aumentou e os sorrisos só se multiplicaram.
Depois,subi no ônibus, paguei 2,95 e voltei pra casa. Pode parecer irônico e é mesmo. Mas as flores também podem nascer durante o inverno. Aliás, as flores mais bonitas.

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