domingo, 29 de novembro de 2015

Quando decidimos ir

7:00, sábado, dia 28/11
Cheguei no plantão.

A semana tinha sido cansativa, a sexta feira exaustiva e a noite mal dormida. Os pacientes eram mais ou menos os mesmos e, como já aconteceu outras vezes, pensei e torci para que me restasse tempo pra dormir. Mas Deus tem planos diferentes dos nossos...

De manhã, enquanto conversávamos com o plantonista, a anestesista veio nos perguntar da paciente Jucelina. Ela estava hipotensa, em regular estado geral, o que aconteceu?
Fomos até ela. Frequência cardíaca baixa, hipotensão, saturação de oxigênio ruim.
Percebeu?
É, percebi. Percebi que o dia seria cheio... Estávamos ali pra isso.
Colhe gaso, sorteia quem vai fazer a punção e a intubação. Olha o monitor. Colhe outra gasometria. Chama o fisioterapeuta respiratório. Fica de olho. Já volto. E agora? Diurese. Não urina. Pressão. Sedação. Fentanil. Nora. Midazolam. Soro fisiológico. Outro soro. Saturação 80. Ambu. Intuba. Aspira. Agora vai. Ventilação. FiO2. Saturação 98 .Pressão 110. Gaso. Estabiliza. Vamos, vozinha.

E agora?
Escreve, anota, descreve, narra. Prontuário atualizado.
Enquanto cuidávamos dela, pensei na sua história. Mora sozinha, recebe ajuda dos vizinhos, magrinha. Sem visitas. E e aí, a gente fica triste. Pela história. E sente mais vontade de ajudar. Para ela se ajudar. Vamos vozinha, vamos que ainda não acabou por aqui.
Ela estabilizou.
Vamos ver os outros pacientes.
Fui evoluir. Escolhi a dona Mercedes. Estava grave também, do lado da dona Jucelina. Tinha o rosto coberto de feridas de bolhas e curativos por todo corpo. Não tinha mais sua forma, mas tinha os olhos. Estava com tubos, acessos, monitores. Além de todas as informações que eles nos trazem, fui buscar informações nela mesmo: tocá-la, ouvi-lá, senti-lá. Será que ela ta muito ou pouco sedada? Dona Mercedes? DONAAA MERCEEEEDES? Ela abriu bem pouquinhos os olhos, estavam pesados demais. Olhou pra mim por menos de 10 segundos. Chamei de novo. Abriu com dificuldade. TA COM DOR? Fez, sutilmente, que não. E foi no intervalo pequeno de tempo que os olhos insistem em fechar. Logo fechou. Sedada. Mas nem tanto. Auscultei. Pulmão, Roooonnn. Roncos. Coração. Tum. Ta. Tum. Ta. Tum. Ta. Barriga. brrummmbruummm. Panturrilhas sem alterações. Pulsos periféricos presentes.
Evolui: 8º dia de internação. Antibióticos, punção. pressão. Nas últimas 24h? Estável. Voltei, esqueci de anotar os parâmetros de ventilação.
Era hora da visita. Uma mulher estava sentada ao lado dela. Cabelos pretos, pele morena, olhar triste. Pegava na mão e, mesmo que dona Mercedes não a olhasse, ela estava ali. Pensei quem seria aquela mulher que conseguia ver a paciente para além de tantos tubos e curativos. Peguei as medidas e saí. Só falei boa tarde. Às vezes, acho que a gente precisa respeitar em silêncio a grandeza de certos momentos.

Acabei de anotar no prontuário e voltei a ver a dona Jucelina. No meio do corredor, encontrei a mesma mulher. Cadê o médico? Ali. Gostaria de saber da minha mãe. Hum, então a senhora é filha.
Olha, ela está estável, mas vou ver com a minha acadêmica como ela passou de ontem pra hoje. Lia? Oi! Então, ela trocou o esquema de antibiótico de ontem pra hoje, laboratório está bom. Então, estável. "Ah que bom! Muito obrigada viu? Muito obrigada por cuidarem tão bem da minha mãe".
Mãe. Sabe que a parte mais difícil da Medicina não é não dormir, não é o plantão , não é estudar horas, não é abrir mão da família e dos amigos. A parte mais difícil é quando a visita de um paciente grave, parecido com os outros, sem muita individualidade, te lembra pelo olhar preocupado que aquela pessoa é muito importante. Você pode não a conhecer, não saber como são seus traços, mas eu sei. E agradeço por cuidarem dela. Nessa hora, a gente lembra que a história daquele paciente começa antes do D1 de internação. Começa na identificação, data de nascimento.
Entristeci. Dona Mercedes estava fazendo falta. Era outra história triste. Estava realmente bem cuidada e posso garantir por ver o serviço tão de perto e participar dele. Voltei a dona Jucelina, era ela quem precisava das nossas preocupações naquele momento. E estava estável também.
E eu achei que o plantão da noite e da madrugada seriam tranquilos.

Dormi.
Domingo, 29/11/2015
6:00h "Meninas, paciente ta parando".
Acordei, coloquei o óculos e o sapato e levantei. Aproveitei esses segundos para continuar acordando. Enquanto andava até a última enfermaria, a de pacientes graves, fui acordando e pedindo para dona Jucelina não desistir.
Mas quando entrei na enfermaria de dois leitos. Não fui até o segundo, da Dona Jucelina. Parei no primeiro.
O médico já estava na escada do lado do leito em posição de massagem e olhava para o monitor. O enfermeiro cuidava da respiração. A outra enfermeira pegava adrenalina no carrinho de parada. E eu fiquei perto dos pés da dona Mercedes, olhando o monitor e rezando e preocupada com números tão baixos de pressão e frequências.
Não havia desespero, não havia pressa. Havia foco, determinação, raciocínio. Sabiam o que deviam fazer, juntamos- nos para ser uma coisa só e torcer para uma coisa só. O médico olhou o relógio.

Massagem. massagem. ambu. ambu. adrenalina 2 ml. Massagem. Massagem. Massagem. Massagem. Respiração. Respiração. Respiração. Massagem, Massagem, Massamge. Adrenalina 3 ml. Reveza a massagem.
Eu fui. Estava calma, Preocupada, mas conseguia pensar com clareza em toda a técnica. Todo o peso do tronco, esterno, frequencia de 100, 90 graus com o paciente, profundidade de 5-6 cm. Vamos Dona Mercedes, vamos!
Cansei. Troca. Massagem, massagem, massagem, respiração. Troca
Fui de novo, pensei na massagem, no monitor e aí, resolvi olha-lá. Enquanto jogava meu peso na maior esperança que o seu coração resolvesse funcionar sozinho, olhei. Ela tinha os olhos abertos e agora, arregalados. Diferente do que eu tinha visto mais ontem. Brilhavam talvez pelo reflexo da luz, mas não estavam ali. Senti. Senti que não era um tórax. Não era um osso, um coração e um monitor. Era uma pessoa. E a massagem nã foi boa durante esses segundos. talvez 2 segundos. "Não vou olhar de novo, não posso. Lia, olha só pra sua mão porque você precisa fazer direito. Porque vai funcionar. Porque ela vai voltar". E voltei a racionalizar, precisava ser efetivo. Foi. Foi tecnicamente, mas não tava mais funcionando. Talvez ela já tivesse ido, há algum tempo. Razão, as vezes, é o melhor caminho do cuidado.
Reveza. Vamos! Pai nosso que estais no céu!Massagem. Massagem. Massagem. Mais 10 minutos e desistimos. O coração não batia mais, O pulmão não fazia nada sozinho. Já faziam 30 minutos. É....

6:30 da manhã. Hora do óbito.

Ela foi antes talvez. Ninguém sabe. A medicina diz sobre o corpo, mas ninguém sabe o momento em que deixamos esse mundo, em que nossos olhos brilham só pelo reflexo da luz mas sem vida, em que nosso coração bate só por uma atividade elétrica qualquer e deixa de carregar nossos amores, nosso pulmão não mais carrega o ar do lugar que estamos, mas só aquele que jogamos pra dentro dele com pressão positiva de uma máquina. Ninguém sabe quando nossa história vai terminar com um atestado de óbito no prontuário. Ninguém sabe. O que a gente sabe é que não termina na memória de quem nos ama. A história não termina na ligação pro familiar. Nem no enterro. Talvez nunca termine, talvez sejamos eternos. Ou talvez, já terminou e a gente continua ali, ligados aos tubos e monitores, sem que ninguém lembre da gente.

Duas mulheres, uma do lado da outra.
Duas histórias diferentes.
Tubos, curativos, remédios e monitores iguais.
O nome de uma delas sai do quadro de internação. Passei o dedo em "Mercedes" para saberem que não eram mais 8, agora eram 7 internados. E alguns documentos de óbito a preencher.
Não se sabe o motivo. Sua história médica ainda estava sendo investigada, ela não era a mais grave do plantão e todo o possível estava sendo feito.
Mas a medicina não explica tudo, porque é sobre a vida. E a vida não segue protocolo. A vida só se faz e desfaz. Deixa interrogações em quem a vê partir. E em quem fica e a gente achou que não ia ficar. A gente estuda por tantos anos, todos os dias, para entender como as doenças funcionam e levam a morte. Em como tratá-las e como agir quando o coração para.
E mesmo assim, não se sabe a hora. Nem o porquê. Nem em quem. Porque eu, não você. Porque ela, não a outra. Porque aquela e não aquele.
Ninguém sabe nem nunca vamos saber. Ela estava com o que era necessário, com o que devia ser feito. E foi mesmo assim. Mesmo que ninguém esperasse.
Deixei meu nome no seu prontuário. E ela deixou seu olhar na minha memória.
Talvez ela não tenha ido.

Vai com Deus, dona Mercedes. Mesmo que eu não conheça sua história de vida, seus anseios, seus sonhos e decepções. Mesmo que eu não saiba a forma do seu rosto. Espero que esteja em paz. E que não desistimos de você. Nem sabemos a hora da sua morte. Nem quando você foi. Mas saiba que, em mim, você vai permanecer. Obrigada por me permitir me tornar mais médica e mais humana.

Cheguei em casa e tinha um presente na minha mesa. Era um rosário.
Deus realmente tem outros planos. E sempre cuida de cada um deles.


(O nome das pacientes foi alterado para preserva-las)

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Sem expectativas, com amor.

Dias incríveis.
Dias incríveis são dias em que, quando você acordou, não esperavava muito deles.
São dias repletos de momentos e com expectativas nulas.
Você pode ter até um leve pressentimento, algo como um segredo. Você imagina que pode ser bom, mas não sabe muito mais que isso.

Enquanto estava no ônibus a caminho do meu dia, pensei em como ninguém ali perto de mim imaginava que aquele dia pra mim seria inesquecível. Eu sabia que seria. Só não tinha certeza se seria bom ou ruim.
O medo e a expectativa andam bem próximos. Você tem medo e gera expectativas. Você tem expectativas e dá medo, afinal, podemos não atingi-las por falha nossa mesmo.

Algo me dizia que estava na hora. Que já estava passando da hora.
Já fazia um ano em busca. Um ano me preparando e almejando entrar no Lar, colocar o nariz vermelho e deixa acontecer. Engraçado que sempre que a gente assume algo que muito quer, acontece outro que a gente nao quer. Parece provação só pra termos a oportunidade de mostrar que não vamos desistir. Eu fiquei gripada na mesma semana que assumi ir ao Lar. Muito gripada e pensei em desistir.
Melhorei, não era meu 100% mas não queria dar um passo pra trás. Já tinha dado muitos pra chegar ali, queria ir até o fim.
Sexta, 2 de outubro de 2015. Minha primeira visita como terceira palhaça do Gema da Alegria no Lar Maria de Lourdes.
Sabe a tal da expectativa?
Então,nem eu. Não a cultivei.
Era muito, era grande demais pra mim, eu não podia cultivar medos nem expectativas. Por que? Porque é o maior erro de um palhaço. Não viver o presente. E eu resolvi viver o presente antes mesmo de chegar. Resolvi só pensar no ali. Enquanto estava no onibus, só pensava no onibus. Enquanto estava na rua, só na rua. Enquanto entrava no Lar, só na entrada. Enquanto me arrumava, só em me arrumar...E assim, cadê momentinho foi passando naturalmente. Sem medos. Sem programações. Eu não deveria te-las. Eu só deveria ser. Meus portos-seguros chegaram, os palhaços de profissão e de vida. E eu mantive a calma. Sem pensar. Só vendo-os se arrumarem. Vendo que eu entraria com eles.... Era uma estréia. Uma estréia no palco mais lindo do mundo com quem eu mais admiro. Não era pra ficar nervosa? Era. Mas se eu ficasse, demoraria mais pra ser o que eu devia ser. Eu mesma. Eu já tava gripada, cansada e não era o meu dia mais "preparada", então se eu juntasse nervosismo, com certeza, seria muito mais difícil. E o palhaço só é. Só. Quanto mais pensa em ser, menos ele consegue.
Por tudo isso, não podia pensar que era o grande dia e o grande momento. Mantive-me concentrada na pêra que eu tava mastigando. E assim, tudo ficaria bem.

Prontos? Não. A foto da sua estréia! Seeelfie.
E agora, prontos? Não! E o abraço?
Senti, ali, que estava pronta. Dentro de um abraço apertado das pessoas que simplesmente tem almas irradiando paz. Meus mestres tem brilho no olhar e na alma. E claro, um nariz vermelho. E pronto. Se eu achei que tava difícil ficar pronta, fiquei ali. E fomos. Só sendo....

E quando eu vi. Tinha acabado. Assim, leve, natural e sem pressa. Foi incrível! Não pareceu grande, porque foi imenso! E a gente se dá conta quando tira o nariz e sente a alma lavada. Não eram mais crianças com doenças neurológicas, eram crianças só. Brincavam, dançavam, falavam, cantavam. Reagiam e trocavam. Ensinavam só porque sorriem.
Sorriam com os olhos, com as maos, com as pernas, com os dentes, com a boca inteira. E permitiam que nós, pobres palhaços, entrássemos um pouco no seu mundo. Pobres palhaços que acham que fazem sorrir quando na verdade, brincam. E por brincar, ganham. E por ganhar, sorriem. A gente não doa, a gente troca. E nessa mistura, o que ficou comigo foi muito mais do que eu merecia ou do que eu poderia dar. Eu fui e descobri que quando a gente é, a gente se encontra e se completa. As crianças são sempre. Sem máscaras, sem pesos, sem expectativas. Elas brincam. Foi só brincar com elas para que eu saísse de lá tendo encontrado o que muitos passam a vida procurando.
Foi imenso! E na hora, muito simples. Era "só" um nariz. "Só" uma gaita. "Só" um pano. "Só" uma menina tonta. E ela saiu de lá repleta.

Sabe, queria que todo mundo pudesse sentir isso. Não me parece possível querer algo ruim, fazer algo ruim, dizer algo ruim quando estamos assim. Gratos. Repletos. Leves. Talvez passe logo porque a rotina tem essa capacidade. Mas Deus foi tão genial que criou o amanhã: é um presente pra que a gente busque sempre o que ganhou de bom hoje.

Gratidão. À minha prima que me inspirou e ao Gema que tornou real, especialmente aos mestres, que sempre disseram ser possível.



terça-feira, 7 de julho de 2015

mundo paralelo

Acordei. Já cansada da semana inteira. O cansaço nem me permitiu ficar ansiosa.
É fim de período. E nesses tempos, parece que a gente desafia as leis do sono, do corpo e da mente. Não importa o quanto você diga que no próximo não será assim. Na verdade, não será mesmo, será pior. A gente não aprende.

Levantei carregando toda a semana atrás de mim, pensando na da frente mas focando no presente. Era meu primeiro plantão. 24h. Me restava certa ansiedade, medo, alegria e expectativa.
A gente vive de pequenos passos e quando vê, andou vários km já. O objetivo é a chegada, mas a caminhada é que faz valer a pena. Não importa só chegar, importa como chegar. E era um dia importante, um passo importante. De caloura a meia médica e agora, com plantão de 24h com fins acadêmicos.

Cheguei antes do médico plantonista do dia. O anterior, da sexta, me recebeu. Disse para deixar minhas coisas no armario, mostrou a geladeira, o microondas e o quarto para dormir. 2 beliches, 4 camas.

O plantonista chegou, os outros acadêmicos também. Seríamos 5, sendo que desses, 2 eram novos rostos pra mim. Por um tempo, o cirurgião explicou toda a dinâmica do serviço, o que deveríamos fazer e como. Evoluir pacientes, atender emergencias, preencher burocracias, mandar exames. Era muita coisa. E me chamou atenção serem tão bem explicadas e a responsabilidade que teríamos. Já ficaria por la um dia inteiro na semana, queria realmente ser útil e aprender o possível.

Depois da teoria, fomos acompanhar os banhos. Queimadura elétrica. Sorte que a gente usa aquelas mascaras cirúrgicas e ninguém vê nossa cara direito, porque a minha não deve ter sido agradável. Contrai o dedinhos dos pés e minha cabeça disparou em reflexões sobre a vida, a medicina, as responsabilidades, o sofrimento, o acaso, o destino. Enfim. Alguém ali sofria muito de dores que a gente não sentia. A ferida não doia em mim. Mas os gritos sim. E, me veio uma sensação de medo de não conseguir, algum dia, ser capaz de ajudar ao máximo os pacientes e, ao mesmo tempo, uma sensação de que é ali que eu deveria estar. Não era sofrido estar ali. Era valioso.

A gente tem dessas coisas de se adaptar. Acho que é fisiológico. Depois de um tempo, parei de contrair os dedinhos dos pés e a pensar nas técnicas, no que fazer, como estavam fazendo. Depois foi uma criança, depois uma outra queimadura elétrica. "Coloca o capote, vai ajudar". E quando eu vi, já estava, literalmente, no meio da ação, de perto. Com medo de atrapalhar mas satisfeita em ajudar.

Vai, volta. Arruma, Vê, conversa, examina. Mexe no prontuário. Passa o caso. Evolui.
Trim trim.
Emergência!
Vamos descer.

Era simples, nada grave. Mas o suficiente para que aprendessemos como fazer um curativo.
Na segunda emergencia, nós o fizemos.
Na terceira, internação.

E o dia foi cheio. O médico, incrivelmente, passou o dia conosco ensinando, explicando fisiopatologia, medicina, teoria. Pacientemente.
Na hora da pizza, outra emergência. E, nós, que estávamos rindo do nosso cansaço, mudamos de clima ao ver a paciente. Com medo, com cheiro, com dor. Fogueira. Internação direto. Engraçado como as coisas mudam de uma hora pra outra né? A gente ansiando pela pizza e, por uma ligação, mudamos o roteiro e fomos acomapnhar o caso grave, ajudar, se preocupar e tranquilizar no final.
É muito em pouco tempo. É muito tempo em pouca horas.

Depois de comermos a pizza fria, conversamos, rimos e dormimos.
Dormimos como quem não sabe se vai acordar logo ou se a noite passará por inteira.
Como quem acha que já está próximo dos que te acompanharam por 24h intensamente.
Como quem conclui que viveu uma vida em um dia.

Ao acordar, fui embora cansada. Mas feliz. Parece que vale a pena deixar de ver o mundo correr lá fora por uma manhã, uma tarde, uma noite e uma madrugada e ver as coisas acontecerem dentro de um hospital, cruzando vidas, histórias e reflexões.
É como se um dia perdido, tivesse sido muitos
em um só.
Ou como se, nesse mundo paralelo, a vida corresse do mesmo jeito, só que mais intensa.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

mesma direção

Geralmente, prefiro me abster de temas polêmicos e posts longos. Prefiro guardar minha opinião para conversar com amigos mais próximos, onde posso argumentar, me defender, ouvir e aprender. Onde não há muito espaço para ofensas sem limites como através da tela do computador.
Em tempos de muita informação e pouca busca por conhecimento profundo sobre as causas, há muitas opiniões e poucos argumentos. Há muita reprodução, discussão, briga e pouco crescimento. As polêmicas só crescem e há a falsa sensação de que crescemos com ela, quando, no meu ponto de vista, estamos diminuindo muitas vezes.
Perdemos a chance de ler e desperdiçamos horas escrevendo.
Por tudo isso, prefiro ler, filtrar, pensar e, raras vezes, expor o que me resta.

Mas o último grande acontecimento facebookiano me incomodou profundamente. Me incomodou e me criou a necessidade de aqui escrever mais do que das outras vezes. Além de ser cobrada por isso. E assim o faço.

Estou aberta a conversas, mas deixemos as ofensas e indiretas de lado.

Prazer, Lia. Essa sou eu. Lia. O que vem a seguir são partes de mim e não meu ser todo: mulher, hetera, católica, estudante de medicina. Levo muito a sério as pessoas que eu amo. E elas incluem gente da minha família e claro, meus amigos ou melhor, a família que eu escolhi. Entre todas essas pessoas, tem umas que são magras, gordas, negras, brancas, chatas, inteligentes, legais, irritantes, divertidas, sérias, gays, lésbicas, bis e até indecisos. São meus amigos, primos, amigos-irmãos. Enfim, são gente. E os amo, não importa o que eles sejam, amor não vê essas coisas. Por falar em amor, esse é o assunto que eu mais ouço nas missas de todo domingo. Desde pequena, vi na igreja algo maior. O respeito ao próximo, a nós mesmos e a Deus. O que fez sentido pra mim. E Deus até pode ser Amor e pronto. Mas eu acho que Ele merece mais do que só fazer o bem por aí. É só uma questão de ser. Senti. E assim tento prosseguir. Mas entendo que cada um encara como quiser o que te faz sentir bem e o que te aproxima de Deus. Entendo que religião é uma escolha pessoal e tudo bem não ter nenhuma delas.

Bom, dito isso, a Viviany é trans. Ela sofreu a vida inteira por isso. Por esconder ser quem era, até se assumir e assumir todas as consequências da sociedade por ser assim. Eu não entendo nem metade do sofrimento que ela passou e ainda passa. E nem vou entender. Nada mais pessoal do que sofrer. Mas tenho profundo respeito por pessoas que tem a coragem de assumirem ser quem são. A gente não precisa entender o que os outros passam, mas o ser humano tem um sentimento intrinseco chamado compaixão. A gente se compadece, sente um pouquinho do que o outro tbm sente e passa a compreender melhor. E respeitar antes de julgar.  É uma forma de amor. Estar triste porque o outro também está. Defender o direito que o outro também tem. Esvaziar se um pouco de si mesmo para sentir o outro e se deixar influenciar. Um amigo, há um tempo, depois de muito esconder e sofrer por anos, cansou. Veio conversar comigo dizendo o medo que tinha de ser julgado por mim e disse que era gay, mesmo sem nunca ter ficado com um homem. Nunca passou pela minha cabeça mandá-lo embora, como ele temia. E, assim como aprendi com a minha vó rezando o terço todos os dias e acolhendo todo o tipo de pessoa na sua casa, eu o abracei. E disse que estava na hora dele ser quem era. Foi isso que eu aprendi e é isso que eu quero viver.
Por tudo exposto, eu compreendo o quão Viviany e milhares de transsexuais estão cansados de se calar. Estão cansados de serem agredidos. E precisam ser ouvidos. E a minoria só consegue ser vista quando incomoda, quando choca. E é isso que estão fazendo. Incomodando e chocando. Toda grande mudança é assim e esse é o caminho. Mas, como tudo que está vindo com muita força, pode acabar não vendo outros pontos de vista.
Chocou. A imagem de Viviany numa cruz chocou o mundo. As discussões estão borbulhando e há quem se coloque fervorasamente contra ou a favor.

Eu olhei a imagem algumas vezes. Eu li algumas publicações a favor e outras contra. E olhei a imagem de novo. Refleti, pensei, pensei de novo. E cheguei aqui. Até me dei a chance de mudar de opinião, mas não consegui.

A imagem me ofende. Muitas imagens me chocariam e me incomodariam sem ofensas. Mas essa, em particular, tem esse ponto.
Antes de dizer o porquê, digo que não é só essa imagem que me ofende: o neymar crucificado na capa da revista também, a sessão fotográfica representando padres pedófilos também, fantasias de padre no carnaval também, a Cruz como símbolo de deboche também, as imagens de Maria sendo destruídas na rua também, os vídeos do Porta dos Fundos sobre Jesus, as imagens debochadas do Papa e as charges do Charlie também e, eu imagino como os mulçumanos se sentiam com tais charges, mesmo que isso não justifique morte nenhuma.

Você pode dizer, foda-se. Ta ofendida? E daí, nossa causa é maior que isso. E eu direi, é verdade. Eu ofendida não vai causar nenhum impacto quanto essa foto e vida que segue.
E além do mais, como estudante de medicina, entendo que a mente das pessoas são diferentes, o corpo de cada um é diferente e estudo para, entre outras coisas, me adequar a cada uma dessas pessoas que serão atendidas por mim. Entendo que a causa trans é pertinente e está só começando, há muito o que mudar.
Mas sabe, fiquei pensando também, a ofensa não é pela causa. Não é pela Viviany. A ofensa é pela cruz usada deliberadamente sempre que se quer chocar e por vezes, debochar. Quando, além da "crucificação", há a cruz como objeto sendo colocada na bunda, quando há beijo na boca, quando há o Neymar pendurado, enfim, é inegável que não é só para ser ouvido e sim, para provocar.
E eu me pergunto, provocar o quê? Se a gente começa a juntar a uma causa (seja qualquer uma e não só a parada lgbt), o ataque ao outro, porque um dia somos atacados, não andamos para frente. Ficamos parados, afinal, de um lado vamos para a direita e do outro vamos para a esquerda, a gente tromba e cai. Ou a gente se separa e se perde.

Explico. A Cruz é sagrada para os cristãos. A Cruz é símbolo máximo de amor sim. É importante para mim e para qualquer um que acredita. Carrega consigo uma mensagem, fundamentos, valores, enfim, carrega muito. Jesus é homem. Jesus é Deus. Foi crucificado, sofreu, falou e viveu amor e continuou sendo Deus e homem. Você pode não entender ou acreditar em nada disso. Pode não fazer sentido nenhum e, sinceramente, meu objetivo aqui não é evangelizar ninguém. Não quero fazê-los acreditar. Mas entendam o significado da palavra sagrado e pensem em algo nessa dimensão para vocês. E mesmo que não seja sagrado, mas que você nutre profundo respeito. Você respeita, é importante pra você. Não precisa ser importante para o outro, mas precisa ser respeitado também. Isso inclui perceber até aonde podemos ir e aonde devemos parar. Como uma pessoa muito importante para você que não pode ser comparada porque ninguém vai entender o que ela realmente significa, além de você. Como um término que só você sabe o que cabe ser debochado e o que nem cabe ser citado. Como a relíquia de família que sua vó passou pra você e até o lugar que você vai guardar sera pensado e preparado. Enfim.
Quando me deparo com algo assim sendo usado, literalmente, como mídia, instrumento de deboche, forma de comparação entre vítimas, a causa perde um pouco o sentido. Me parece não querer convencer e somar, mas atingir, ferir, se vingar. E voltamos a caminhar para lados opostos e no fim das contas, ficarmos no mesmo lugar. Se torna jogo de ofensas e não há mais avanços palpáveis nisso.
Se a gente se ofende e olha para cada cristão com olhos de "não gosto de você porque você não gosta de mim e eu nem te conheço" só estamos reproduzindo aquele que diz "não gosto de você porque você é gay". Nas duas situações falta conhecimento. Falta querer conhecer o próximo.Ser gay, ser cristão, ser estudante, ser negro, ser mulher, ser alto, ser magro, ser gordo, nada disso diz sobre sua essência. E sua essência você só mostra se conhece e só conhece se confia. E se isso acontece, começamos a resolver alguns dos muitos problemas do mundo.

Aposto que tem pessoas incríveis na passeata lgbt assim como tem na Marcha para Jesus assim como tem na missa dos domingos. E aposto também que tem gente não tão legal assim em todos esses lugares.
À primeira impressão, a gente se marca pelas instituições que frequentamos, pela causa que defendemos e pela posição política que lutamos. É natural se unir e se identificar. Criar laços e desfazer outros.
Mas, nesses tempos de muitas bandeiras, não esqueçamos cada pessoa. Se a gente entende que trans são assim e nasceram assim e serão felizes assim, a gente também entende que rezar é importante para algumas pessoas e elas são felizes assim.
Se entendemos que é melhor não jogarmos numa roda de conversa descontraída com os amigos o nome da mãe de algum deles por pura zuação, também entendemos que é melhor deixarmos as piadas sobre umbanda de lado.
Se Jesus é sagrado para alguns, a gente consegue usar outra forma de chocar que não seja usando sua imagem.
Se buscamos o respeito, que seja mútuo.
Se queremos todos a mesma coisa, vamos andar juntos para o mesmo lado.

Quem sabe assim, a gente consiga ir mais longe.

Mais tolerância, mais respeito, mais humanidade. De todos os lados. Por favor.



segunda-feira, 1 de junho de 2015

não terminem!

Perdidos no acaso
Ou achados no destino?

Ha amores que ficam
Outros que deixam de ser
Os que recomeçam
Os que terminam
E os que passam
Sem nunca passar.

Talvez seja demais entender
o que exatamente é pra ser
ou o que, por erro ou azar, 
deixou o vento guiar
e
assim
nao foi
nem mais é.
 

Sabe. eu fico triste com términos. Não só com os meus (não que eu tenha tido muitos, mas os poucos que tive foram bastante relevantes), mas fico triste com o término alheio. 
É como se, na maior parte das vezes, o amor tivesse perdido. Não to falando daquele casal que todo mundo sabe que é só fachada. To falando desses em que o amor fica visível. O amor mesmo. Aquele que não precisa de muita declaração, de exibicionismo, de prova. Aquele genuíno. 
Alguns casais são assim. Vivem tanto que de tanto viver, dá pra ver. 
E quando esse tipo de casal termina, é como se uma pontinha de esperança tambem morresse junto com eles. 
As vezes, eles ainda se amam, as vezes eles voltam, as vezes.....Mas naquela hora ali, eles desistiram. E o amor não tem a mesma força separado. Muito menos sozinho. 
O mundo ta tão carente desse sentimento, que é, sinceramente, um desperdício alguns casais se separarem. 
Amor muda. Renova. Cria. Reinventa. Enche. Preenche. Atinge ao redor. E, quando um dos seus sítios de origem morre, ele morre um pouquinho também. Dá lugar a tantas coisas...Coisas as quais o mundo já está tão cheio que nem precisa mais. 
Sabe, minha vontade é de me meter e dizer: "gente, não importa o que houve, se vocês se amam, tudo pode, tudo deve" Deve renovar, criar, reinventar, preencher. De novo. Como o amor. 
Poucas, pouquissimas coisas, quiça quase nenhuma, são maiores do que amor. E que, olhando de fora, de dentro, de lado, sempre vale a pena optar por ele. 

Talvez eu tenha visto muitos filmes da disney e muitos romances. Talvez seja uma iludida. Ou uma desiludida. 
Sei lá.

De qualquer forma, vou continuar na minha torcida silenciosa para que alguns casais voltem a dar certo e outros, nunca terminem. E que alguns tantos se façam.
Só para que ele- o amor- seja o astro principal . 





sábado, 23 de maio de 2015

níveis detectáveis

Entre todas as coisas que aprendi nessa semana (intensa), tem uma que me marcou mais:
esperança é um sentimento genuinamente humano. Talvez nasça conosco, o que justifica que crianças e jovens tenham mais esperança do que adultos e idosos com muitos anos de currículo.
O ditado diz que é um sentimento que nunca morre. Não sei se morre e prefiro não saber, porque deve ser assustador essa situação. Mas eu sei que diminui. Diminui a níveis indetectáveis, as vezes.

Hoje em dia, parece o ambiente propício para isso. Explico. A gente sabe que existe violência, pobreza, marginalidade, desemprego, miséria, desigualdade, maldade, hipocrisia, corrupção e uma lista infinita de coisas que, a cada, dia, vão deixando nossa esperança pequenininha. Mas, tem alguns momentos pontuais de maior crise, que a gente passa a refletir mais e aí, nossa esperança cai exponencialmente. Essa semana começou assim. As notícias das facadas no Rio de Janeiro se fizeram presentes ao longo de toda a semana. Era na Lagoa, na Barra, em São Conrado. As noticias de assassinato também, era na Ilha, na Maré, na zona Norte. E as muitas outras violências que não são tão divulgadas, ou que talvez, tenhamos incorporado (erroneamente) como "naturais".Todas estavam/estão la. Seja lá como for, as notícias levaram muita gente a reflexão esses dias, inclusive eu.  Reflexão e a sentimentos também. Aquele de impotência diante da injustiça, aquele de decepção com o mundo, aqueles sentimentos que te acometem as vezes, mas precisam ser dosados para que nao te paralisem. Te façam caminhar e não parar. Tive a sensação real de que o mundo tava todo errado. Todo. E que só uma faxina global, tirando toda a sujeira, salvaria-nos. Algo como, literalmente, pedir pra todo mundo se retirar, arrumar a casa, e mandar voltarem e habitar "corretamente". Chacoalhar o planeta Terra, assim como chacoalhamos nossa mochila ao fim do ano, para tirar todas as porcarias que existem la dentro, passar um pano, ou melhor, enfiar na máquina, e recomeçar. Do zero. A sensação era de que tudo estava perdido. De que precisávamos urgentemente de reset.

É horrível. É horrível chegar nesse -não- limite de esperança e, mais do que isso, sentir que não há nada há fazer.

Bom, Deus foi genial quando dividiu nossa vida em dias. E colocou-os de uma maneira sensacional um após o outro. Foi genial. É genial. Porque um dia nunca é igual ao outro, e quando há um ruim, há outro amanhecer. Sempre. Não há garantias de que vá ser melhor, mas será outro....

Aqui, peço um pouco de licença na coerência do texto e quero voltar ao início, onde eu disse que esperança vai diminuindo...
Esperança, caso morra, tem a capacidade de renascer. De se fazer de novo
Mas, tudo o que já foi um dia e quer re-ser, precisa de mais. Não é tão fácil quanto antes.
Tipo a Fênix: aposto que sair das cinzas é bem mais difícil que nascer da mamãe Fenix.
A esperança, portanto, não vai renascer sem motivos, sem atividade, sem vontade de que isso aconteça
Ela exige. Exige sua própria busca. Exige que saiamos do sofá, da comodidade, do desânimo do "mas nao vai mudar mesmo" e cheguemos a novos mundos.
Ela quer que, mesmo cansados, renovemos também. Nossa rotina, nossos sonhos, nossas verdades. Renovar pode ser mudar, pode ser voltar a acreditar, pode ser fazer acontecer.
Mas seja lá como for, precisamos sair. Sair da espera de que a esperança vai vir sozinha, do nada, num domingo calmo, entrar no nosso coração e nos fazer, subitamente, crer novamente.
Não.
Ela vai voltar sim. Ser de novo.
Mas se a gente for em busca. Não dela diretamente. Mas em busca do que nos faz bem e do que nos faz ser.
Assim, quando a gente menos lembrar, ela estará lá de novo. Implantada no nosso coração.
Deixando o mundo mais colorido e nossa vida com mais sentido.
A verdade é que, o mundo será o mesmo, a diferença é a forma como olharemos a ele....

E assim foi....Essa foi minha lição. Os dias foram passando e chegou o dia em que, pela manhã, realizaria uma atividade a qual assumi inteiramente-mas não sozinha- a responsabilidade. Desde a idéia inicial até a concretização. Era uma atividade que nem parece tão complexa, mas como toda organização, envolve preocupação, flexibilidade, confiança no próximo, capacidade de resolver problemas que não estavam previstos entre muitas outras habilidades. Habilidades as quais não tenho, mas a gente se coloca a prova, para crescer, para amadurecer e, mais do que ganho pessoal, se surpreender. Eu me surpreendi positivamente, com pessoas que confiaram em nós, que se dedicaram inteiramente numa atividade inédita, com alunos interessados em mais conhecimento em um dia livre pela manhã, com uma professora que disponibilizou seu tempo para orientar a gente e participar da atividade por livre e espontânea lindeza, com amigos que diziam para eu ficar calma que ia dar tudo certo, enfim, me surpreendi com os outros. A gente não faz nada sozinho. E é muito melhor não fazer mesmo. A gente chega mais longe junto e o sentimento de realização é maior também.

Depois, iria para outro momento inédito e sonhado e pensado e esperado....No mesmo dia, me vestiria de palhaça com outros amigos de um grupo já formado e sairiamos as ruas: achar possibilidades, quebrar a rotina das pessoas, arrancar sorrisos e levar para casa o imprevisível.
O nariz vermelho é sua permissão para ser no mundo. O que você quiser. Ser você mesmo. Ser sua essência, sua ingenuidade, seu começo, você sem suas máscaras sociais.
E, principalmente, descobrir que as pessoas estão só esperando uma oportunidade para sorrir.
Carregam consigo todo o peso do mundo, em cada mundo particular e, ao encontrar um palhaço, é um respiro. Uma expiração. Uma leveza
Olham de verdade. Como deviamos olhar todos os dias. Olham com curiosidade, olham querendo olhar.
As crianças veem magia.
Os adultos veem a permissão de quebrar a seriedade.
Os velhos veem leveza naqueles "bobos'...

E, sem nem mais perceber, me enchi de gratidão.
Gratidão por assumir algo, me entregar e ir até o fim, mesmo que com medo. E ver que o fim foi recompensador.
Gratidão por me encontrar com o outro de verdade e perceber que, na real, estamos no mesmo barco e ainda assim, conseguimos sorrir...
Gratidão por Deus permitir tudo isso...
Gratidão,puramente.

Voltei para casa pelo caminho que eu achava menos perigoso e não o caminho mais fácil
Tive palpitação quando o cara do banco de trás do onibus bateu a bolsa, sem querer, no meu banco e o barulho de metal me fez lembrar de uma faca.
Andei sem mexer no celular para não me expor mais ainda.
As coisas continuam da mesma forma.
Os muitos problemas da nossa cidade, do pais e do mundo, continuam aí.
Mas, entre tanta coisa ruim, busque o que faz seu coração vibrar.
Arrisque-se, se joga, se entregue.
Rodei-se de gente boa, de gente incrível
Porque só assim, aquela...a tal da esperança, terá alguma chance de reaparecer.
E se assim ela o fizer, mudará, não o mundo, mas o olhar sobre ele.
O que, de alguma forma, já é o primeiro passo para uma mudança maior.



sexta-feira, 8 de maio de 2015

"Doutora"

Acordei e todo o dia passou pela minha cabeça em uns segundos.
Sair da inércia quando se está na cama parece mais difícil ainda, mas a gente sempre acaba levantando. É um tipo de decisão moral. Do que é certo. 
Escovei os dentes, tomei banho, tomei café, disse tchau, peguei o ônibus peguei trânsito, pensei na vida, pensei no sono, cheguei.
Entrei no quarto. 

O urologista estava explicando como seria a cirurgia e pedindo pra que ele assinasse o termo. Aquele que todo mundo tem que assinar para respaldar o hospital e deixar o paciente sabendo de todos os riscos. Aquele que não respalda o paciente. Só o desespera.
Deu pra ver os olhos arregalados, a mão inquieta, a expressão agoniada, os ombros baixos. 
Ele ainda perguntava, expressava com palavras o seu medo, os seus muitos medos. 
É só uma burocracia, calma. 
Ele assinou, o urologista continuou explicando. Era simples, para prevenir, nada grave, praxe. 
E saiu.

Era minha vez.
E aí, como estamos hoje?
Eu sempre acho legal quando me lembram que, mesmo que a situação seja individual, tem alguém ali por perto. Mesmo que sem fazer muita diferença. E aí entra o estamos. 
Ah doutora(quem dera, penso eu), to com muito medo.
E era essa a maior queixa. Eu perguntei da urina, das fezes, do sono, da febre. Mas o que doía mesmo era o medo. O nervoso, a ansiedade. 
Se a gente tem um sintoma, a gente aprende a perguntar mais sobre ele e assim foi. 
A situação não é tao grave. A quimio vai bem. O físico vai bem. Mas o coração vai mal.
To com saudades. Dos meus filhos pequenos que não podem vir me ver e não gostam de falar no telefone. Da minha casa. Já faz um mês. Um mês. 
E sabe, nessa hora, eu senti. Senti quando dizem que a medicina falha. Ela não falhou tecnicamente, mas eu senti que não tinha um livro que eu tinha que ler de novo para entender melhor. 
Eu tinha um olhar e um desabafo e não se tratava de entender. Era só compreender. 

 Nessa hora, em que não adianta pedir pra se acalmar, dizer que tudo tá bem, que você tem que ser menos ansioso. Não adianta e seria hipocrisia minha dizer tudo isso. Coisas que não gosto de ouvir quando passo por momentos difíceis. Nessa hora, nós sabemos o que "temos que ser", mas nós somos. E ser não inclui "tem que".

E depois de algumas tímidas lágrimas, de deixar ele falar, eu respondi. As vezes,  não basta estar presente e olhar. Quando alguem fala, o outro escuta. Mas depois,espera-se uma resposta. E era necessária. Não podia sair dali, como quem não sabe o que falar. Não saber o que falar também é uma forma de inibir um próximo desabafo. Afinal, se fosse pra falar sem ouvir, a gente falava sozinho. E quanto mais coisas se guarda, mais elas se expressam de outro jeito. 

Bom, disse que, nessa vida, é mais fácil quando damos pequenos passos. Olhar o todo é assustador as vezes, mas olhar o próximo passo, não. Então, é só olhar o próximo. E depois o próximo. E aí, ao se virar, atrás estará tudo aquilo que você achou que não conseguiria. 

Quando a gente poe o jaleco, perde um pouco a identidade para ganhar uma baita de uma responsabilidade. E, as vezes, é preciso tirar um pouco o jaleco e voltar a humanidade. 
E é humanidade. Além de crenças, opiniões, experiências. Difícil transcender nosso jeito para achar o que há em comum ali.
É, de alguma forma mágica o que eu ainda estou tentando descobrir: usar o que é subjetivo e pessoal como base maior de algo que precisa ser expressado de forma quase impessoal e comum. 

Difícil isso. 
Se comover sem se envolver. Compreender e mostrar compreensão sem senso-comum. 

Difícil ser cientista e artista, ao mesmo tempo. Difícil falar aquilo que ajuda e não atrapalha. O limiar entre a solução e o estrado. A tênue divisião entre a calma e o medo.

"Obrigado, doutora. Obrigado mesmo"

Acho que eu que deveria agradecer.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Pra sempre

Não me lembro quando eu aprendi o que significava "pra sempre".
Mas me lembro bem quando descobri que ele acaba.
E foram assim algumas vezes. Para sempre, acaba, pra sempre, fim, e ,pra sempre, e foi.... 
E lembro quando comecei a questionar: que palavra é essa sobre coisas que não existem?

Talvez a definição seja similar ao que é eterno.
Talvez a gente descubra que nada é eterno.
Ou talvez, seja só um problema de definição mesmo
A gente pode cair no erro, e geralmente acontece, quando tentamos cercar as palavras, que são, por sua natureza, livres.

Pra sempre existe. 
A gente só precisa da sabedoria de perceber o que se tornou o nosso sempre.
Se o amor virou carinho, se a mágoa virou perdão, se a culpa virou rancor, se a raiva virou ódio que disfarçou o amor. Ou se o amor virou serenidade, se a serenidade virou paz, ou se a paz virou lição.
É só uma questão de escolher qual pra sempre é melhor.
Ou, talvez, de não defini-lo.


terça-feira, 21 de abril de 2015

Devaneios de uma quase madrugada

Vivemos tão pouco em tanto
E tanto em tão pouco
Pela infinitude de tudo que há de ser e não foi
Pela finitude de tudo que era pra ser e não é
Por ter sido

Por fim, vivemos e somos
Esquecemos quem somos e continuamos
Quando lembramos, paramos
Carregamos o mundo por fora, quando já há um mundo dentro
E ignoramos
E lembramos
E vamos
De um jeito ou de outro
Moldando nossa própria existência
Fugindo da essência
Correndo para o que resta
Deixando escapar o que é importante pelas
Frestas.

É só nossa magnitude
É só nossa pequenez
Nosso foi e ser
Nosso nunca e
Nosso sempre
Que jaz, já é
Sem nunca ter sido.

domingo, 29 de março de 2015

Sobre fins. E começos

Ele termina, diz que não da mais.
Ela não entende, mas não pede.

Ele sofre.
Ela não entende.

Ela chora.
Ele finge.
Ela sente. Sente muito. Sente por ela, pelos dois e sente por você.
Sente dó.

Ele desiste
Ela insiste.
Ele desiste de si mesmo.
Ela insiste nela mesma

Ela se encontra.
Ele se perde.
Ela cresce
Ele decresce

Ela procura por si.
Ele procura por outras, 
talvez por não conseguir ficar consigo.
Ela acha.
Ele também

Ela chora
Ele esconde
Ela afasta
Ele aproxima

Ela recusa
Ele percebe
Não dá
Não devia

Ela anda. Sempre pra frente. Olhando pra cima.
Ele recua. Abaixa a cabeça.

Ela chorou
Ele chora
Ela vai
Ele volta

Sozinho.
Passou.

segunda-feira, 2 de março de 2015

(des)conectados

Substituimos as cartas por postagens e as declaraçoes por curtidas.
Substituimos o toque pela tecla, o audio pelo ouvido, o emoction pela careta.
E continuamos vivendo com a falsa sensacao de conexão, quando a verdade é que não encontramos nem a nos mesmos

E nem percebemos que, na verdade, a busca continua sendo por quem está atras de tanta tecnologia

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Continue a nadar:) nadar.

Uma grande máxima da vida é aquela bem cliche: tudo passa.
Tudo passa mesmo, as coisas boas infelizmente, e as ruins, felizmente. Tudo deve ser vivido com intensidade, porque vai passar. Sofra mesmo, ame mesmo, sorria mesmo, chore mesmo, sinta mesmo, escolha mesmo, arrisque-se mesmo. Porque, como li num texto desses da internet, se não vivermos mesmo, corremos o risco de vivermos mais ou menos. E aí, nos tornamos uma pessoa mais ou menos.

A vida é assim. Ninguém, absolutamente ninguém, passa por ela em branco. Ainda que você viva alguns minutos ou algumas décadas. Ela consegue ser diferentemente igual ou igualmente diferente. E no fim, eu acredito que acabamos com o mesmo saldo de momentos. A grande individualidade é o que fizemos com cada um deles, como passamos por eles, como sobrevivemos.

A gente devia ter mais compaixão com o próximo, porque ele é só mais um nesse mar cheio de onda e calmaria. Então, é melhor, amigo, ter alguém pra não te deixar afogar quando cansar. Assim como é bom segurar quem tá cansado. Estamos todos juntos, mas só nós sabemos as correntezas que pegamos.

Só nós sabemos o que é ser quem somos. Com todas as nossas escolhas e consequências. Com todos os riscos que corremos ou que não corremos.

Eu sinceramente acredito que acima do mar tem outra imensidão de azul e lá de cima tem um Cara olhando por cada um de nós. E Ele tem a capacidade de mudar todas as direções para nos levarmos a boas praias. Por isso, feche os olhos e siga a correnteza. Você pode levar um caldo de vez em quando, mas vai chegar a praia e vai sair dela e ir a outras. E vai vivendo. O que vale é nao ficar parado numa ilha, olhando tudo passar. Isso é muito mais ou menos. E, da vida, é sempre bom querer mais.